O Velho Francisco

Qdo eu nasci ele já era idoso. Já tinha amarrado seu burro na sombra. Era uma pessoa calma. Sossegada. Tinha as pernas compridas, o nariz e as orelhas imensas. E era surdo. Era preciso gritar ao seu ouvido para ser escutado. Era carinhoso comigo. Me chamava de Titica. Sim, eu era titica. Uma menina pequena, franzina, e carente. O último filho sempre acaba sendo carente. A mãe, com uma penca deles, mal tem tempo para todos. Ficava horas em seu colo macio e terno de avô. Ouvia suas histórias. E o observava, ora limpando sabugos, um a um, para deixar na privada de madeira, construída longe da velha e saudosa casa de madeira do sítio onde morávamos. Naquele tempo não havia saneamento básico, como em muitos lugares ainda hoje no Brasil, e muito menos o papel higiênico macio e cheiroso ... ora dividindo os palitos de fósforo Paraná em dois. Era preciso economizar. Os tempos eram difíceis, e qualquer economia era sempre bem-vinda. Ora fazendo, com maestria , seu cigarrinho de palha. Ou seu rapé de fumo de corda para estimular o espirro qdo sentia as vias superiores congestionadas. Ora tomando minguau de fubá , pra fortalecer os pulmões. Remédios caseiros com 100% de eficácia.

Meu pai contava que ele sempre fora um pai severo, exigente, inclemente, mas com os netos não. Tinha um coração tão mole quanto a manteiga exaustivamente batida pela filha Noemia. Lembro-me dele sentado na cadeira de balanço de madeira, pintada de amarelo, na varanda da imensa casa de alvenaria da Rua São Salvador, número 1241. Construída pelos próprios filhos, no início dos anos 40. Uma das mais belas da cidade à época. Ou debruçado sobre a janela veneziana , de madeira, ....Era ali que ele passava horas, ora lendo o jornal do dia, ora lendo Seleções. Eu, menina curiosa, o admirava, - meu avô é culto, sabe de tudo, quero aprender como ele, pensava com meus botões. Pouco sabia da sua origem, quem eram seus pais, seus irmãos. Criança não tinha essa curiosidade. Hoje, depois de estudos de nossa árvore genealógica , sei que era filho de portugueses, Manoel e Luiza. Família grande. Teve 12 irmãos. Eram agricultores na região serrana do Rio de Janeiro . Uma história longa, a ser contada depois. Hoje , veio-me à lembranca, apenas o aconchego do meu avô Francisco , que muito me ensinou com seu jeito simples e carinhoso de ser.

Benvinda Palma

Bemtevi
Enviado por Bemtevi em 26/01/2021
Reeditado em 29/03/2021
Código do texto: T7168902
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