Conto das terças-feiras – Aguenta aí com a tornozeleira vó!
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 26 de janeiro de 2021
Manoel foi sempre traquino. Quando ainda criança gostava de maltratar os animais de sua casa, um gato e um cachorro, que sua mãe os tratava como filhos, verdadeira adoração. Os animais tinham mais regalias que o menino, pois os dois viviam no colo de sua dona, o que causava ciúmes ao filho. Até os sete anos, o garoto morara com os pais, que vieram a falecer em um acidente de ônibus. O destino do pequeno foi a casa da avó.
Na casa de dona Marietinha, para os íntimos, depois do período de luto de ambos, as coisas começaram a ficar difíceis para a velha senhora. O neto não parava em casa, saia pela manhã e só voltava ao entardecer. Diziam que ele ficava perambulando pela redondeza, pedindo comida, que a vizinhança, com pena, não lhe negava. Nunca quis estudar, ganhava uns trocados fazendo mandados e pequenos biscates. Sua avó já cansada de reclamar, lavou as mãos e entregou o destino do já adolescente, nas mãos de Deus.
Durante todo esse período não esquecera as maldades que ele praticara contra os animais. Na rua, quando se deparava com um gato ou um cachorro, desde que não houvesse alguém observando, saia chutando-os sem dó nem piedade. Ele crescera sem compaixão, sem amor, talvez revoltado pelo desprezo a que fora submetido por sua mãe que, além de preferir dedicar amor aos dois bichinhos, o abandonara muito cedo, quando ele mais precisara do seu carinho. Não queria acreditar que o acidente ocorrido com os pais fora uma fatalidade.
Aos 18 anos, Manoel, que a avó chamava de Manoelzinho, já praticava pequenos furtos e agia como descuidista, aproveitando-se de incautos para roubá-los. A senhora nunca ficou sabendo dessas estripulias do neto. Achava que era apenas um garoto rebelde, sem maldade alguma. Quando em casa, se mostrava bastante preocupado com aquela que lhe dava abrigo. Dedicava-lhe carinho e sempre lhe trazia mimos. Ela dizia:
— Esse meu neto caiu do céu, obrigado Senhor!
Certa vez foi preso, como era a primeira vez foi ouvido na delegacia e solto. Esse passaporte para o crime encorajou-o a ações mais ousadas. Entrava em apartamentos de luxo procurando joias e dólares. Em uma dessas investidas foi preso novamente, sendo condenado a três anos, com uso de tornozeleira eletrônica, que funciona como um rastreador veicular, uma vez que tem GPS e comunicação via celular GPRS, que indica a posição dela ao sistema. Uma violação no aparelho permite a detecção, pela central de polícia, quando o indivíduo procura burlar o seu castigo.
Incomodado por não poder se deslocar livremente e praticar seus delitos, Manoel encontrou na internet um meio de se safar da tornozeleira. Sabia que tinha que agir rápido, após 20 minutos do sistema desligado, um alarme seria acionado, acusando sua infração. Naquela noite chegou muito cedo, e, como de costume trazendo mimos para a querida vovó, como ele costumava chamá-la:
— Vovozinha, venha aqui, por favor!
— O que você quer Manoelzinho?
— Estive no seu médico e ele mandou um aparelho para verificar a sua pressão diariamente. É só encostar o meu celular perto dele, que mostra qual a sua pressão na mesma hora – falou o espertinho do Manoelzinho para a avó querida.
A senhora, sem desconfiar de nada, por acreditar piamente no jovem, sentou-se na cadeira que o meliante indicara, levantou um pouco a perna e “trek”, a velhinha estava “entornozelada”. Ela levantou-se, desfilou com o aparelho no tornozelo, rodopiou segurando a saia florida, mostrando-se para o neto, que aliviado, falou:
— Tá bonita vozinha, mas não vá sair por aí mostrando aos vizinhos, eles podem ficar com inveja.
A mulher, que nunca arredava o pé de sua casa estaria, a partir daquele ato, protegendo o neto, sem saber que infringia a lei. Naquela mesma noite o malandro saiu para praticar mais delitos, logo depois que a crédula e ingênua senhora dormiu.