UM CONTO DE NATAL

- Alberto Vasconcelos

Graças à maravilha eletrônica dos grupos sociais, podemos afirmar que nos tornamos amigos de infância daqueles colegas que estão sempre interagindo conosco e pensando assim, resolvemos fazer nossa confraternização. Sabe como é escritor, né? Sentados na sala de visitas da casa da colega Cléa, depois de saborearmos as monumentais rabanadas que ela havia preparado, os comentários sobre os natais passados e futuros foram surgindo naturalmente, então lembrei-me de história antiga, verídica até que se prove em contrário, acontecida no final dos anos 1800. Foi assim:

A CAIXA DO NATAL

O frio cortante naquela tarde de 24 de dezembro não permitia que os habitantes do vilarejo saíssem de suas casas, aquecidas pelas lareiras em cujas cornijas são penduradas as meias para secar e onde o papai Noel coloca os presentes, tão ansiosamente esperados pelos miúdos das famílias. Vó Maria mandou que Serafim, o neto mais velho, fosse até o paiol buscar mais lenha para alimentar o fogo aproveitando a tênue luz que ainda havia lá fora. Enquanto apanhava a lenha, Serafim ouviu um estalo forte e parte do teto arriando por causa do peso da neve acumulada. A coluna central estava rachada e caso não fosse reforçada com urgência todo material acumulado no paiol estaria perdido. Da porta gritou por Manuel, seu irmão menor que viesse auxiliar enquanto colocava a escada pelo lado de fora para o irmão, bem mais leve que ele, por cima do telhado deslocasse a neve acumulada para aliviar o peso sobre toda estrutura e foi para o fundo do paiol procurar uma estronca para fazer o reforço da coluna avariada.

Deslocou a tábua do piso para fincar a estronca diretamente no terreno de cascalho, mas algo lhe chamou a atenção. Havia uma caixa de madeira, com um presépio entalhado na tampa. Concluído o serviço, os irmãos voltaram para a sala da casa e abriram a caixa colocada sobre a mesa. Em pequenas garrafinhas, havia mirra, benjoim e azeite aromático, um saquinho de couro contendo o dobrão* de ouro e, amarrado com fita vermelha, que se desfez com o toque das mãos calejadas de Serafim, um pergaminho escrito pelo vô Antônio, que foi o bisavô do seu bisavô, pedindo, em formato de oração, que sempre houvesse paz e união na família que ele, em todo natal, com a família reunida louvaria o nascimento de Jesus, conforme descrito em Lucas 1:30 a 38 e em 2:7 e de 11 a 14. Parece que até hoje a família faz questão de cumprir o que foi prometido.

* Dobrão, moeda portuguesa que circulou durante o reinado de Dom João V -1707/50

- Cléa Magnani

PAPAI NOEL EXISTE?

Josué e Marieta, chegaram à Cidade sede do Município vindos de uma fazenda onde viviam com seus cinco filhos: João, com 12 anos, Rosinha, com 10, Luiza de 8, Paulo com 6 e Pedro de 4 anos. A "escadinha" estava crescendo, precisava ir à escola, o trabalho, devido à seca de dois anos seguidos, acabou com a lavoura e o pasto também. Só Josué trabalhando na roça, pois João era muito fraquinho, e tinha uns ataques que o prostrava ou o faziam cair de repente em convulsão, e se estivesse perto do fogo, ou de algum rio ou lagoa, poderia se ferir gravemente ou até perder a vida. Havia dois anos que Josué fora picado por uma jararaca, ao revirar uma leira de mato cortado para secá-lo. A cobra, puxada pelo ancinho, caiu sobre a perna de Josué e o picou na altura do joelho. Um amigo fez um torniquete para que o veneno não se esparramasse, cortou o local da picada em cruz, sugou o sangue envenenado e lavou a boca com pinga para desinfetar, Josué não morreu, mas o pouco de veneno que havia se espalhado na circulação, foi o bastante para que ele ficasse sofrendo dos rins irremediavelmente. Então resolveram se mudar para um lugar com mais recursos. E assim se fez. Chegaram na cidade, em dezembro, com o dinheiro da venda de uma parelha de mulas, uma vaca, 4 leitões e algumas galinhas, alugaram uma casinha pequena, com poço e uma “casinha” do lado de fora onde havia uma latrina e um chuveiro de lata de querosene. Dormiam todos no único quarto da casa, o fogão era de lenha e a luz era de lampião e lamparina. Mas se precisassem socorro, tinha a Santa Casa. Tinha grupo escolar para as crianças. E como Josué não conseguisse mais trabalhar tal era seu estado de fraqueza, Marieta começou a lavar roupas para fora, mesmo com a água sendo tirada do poço com um sarilho. E como ela era muito caprichosa, a freguesia estava crescendo. Mesmo sem tempo nem lugar para fazer roça para o consumo da família, com o que ela recebia, dava para comprar o básico, e ter um viveiro no fundo do quintal, com algumas galinhas, e ovos nunca faltaram. Mas na cidade as crianças ouviram falar em Natal, Papai Noel, Festas de Fim de Ano, Ceia, Presentes... E vieram perguntar para Marieta o que eram aquelas palavras. Marieta disfarçou, enxugou uma lágrima que teimava em rolar pelo seu rosto magro e judiado pelo trabalho pesado, e os mandou irem brincar no quintal... Ao lado da casa, havia um terreno baldio, onde jogavam o lixo do Cartório, que ficava do outro lado da rua. Havia muitos papéis usados de um lado só... ou enrolados nos cilindros que eram usados nas máquinas de escrever. João, Rosinha, Luiza e Paulo, que estavam na Escola, começaram a recolher os papéis para usá-los com cadernos. Repentinamente João deu um grito, pegou um pacote de folhas em branco enroladas e presas com uma fita e ao desenrolá-las, encontrou uma cédula de 500 Mil Réis, que dava para comprar uma casa ou um terreno, enrolada no cilindro de papelão entre as 4 últimas voltas do final do papel...

Ao ver do que se tratava, Marieta quis dar um castigo em João pensando que ele houvesse roubado o dinheiro. Mas depois dos testemunhos de Rosinha, Luzia e Paulo, Marieta ajoelhou-se ao lado da cama de Josué e em lágrimas de gratidão repetia: -

- Josué! Papai Noel EXISTE!!!! Papai Noel EXISTE!!!!

- Deomídio Macedo

Ao tocar a campainha da residência da amiga Cléa, na capital de São Paulo, me senti emocionado ao receber o seu abraço aconchegante, dando-me boas-vindas, com aquele sorriso fantástico no rosto. Ao entrar na casa, logo percebi o amigo Alberto, que já se sentia à vontade, sentado no sofá, rodeado por almofadas acolchoadas, degustando vinho Botticelli tinto. Ele dialogava sorridente, colocando o papo em dia com o confrade Aristeu, pois eles haviam chegado ao mesmo tempo para a nossa reunião. Abracei fortemente cada um deles, sentindo suas energias salutares. Observei mais uma vez a sala e lá estava esbelta a árvore de natal recheada de bolas e luzes que piscavam. Imediatamente coloquei o pacote natalino junto à árvore de natal para fazermos a troca de presentes mais tarde. O gato preto de olhos esverdeados, que Cléa tanto ama, se espreguiçava à vontade no piso decorado da sala de estar. A dona da casa, nossa amiga é musicista e artista plástica, por isso seu acordeom repousava elegantemente junto à árvore de natal. Suas obras de artes, pinturas, embelezavam as paredes da residência acolhedora. Iniciei o meu conto retratando a ceia de natal no interior.

OS NATAIS DE DONA LINDAURA

Dona Lindaura era uma mãe dedicada aos seus cinco filhos. Em frente da sua residência tinha um murinho branco com alguns orifícios quadrados, dando para perceber um jardim com algumas plantas, principalmente roseiras, desabrochando lindas flores, alegrando aquele singelo lar. Logo mais adiante, uma área com algumas cadeiras, local em que a família recebia as visitas e se reunia para conversar com os filhos. Daquele local dava para perceber algumas galinhas ciscando com seus pintinhos, procurando alimentos, fazendo a maior algazarra. Os cachorros em brincadeiras constantes rolavam na areia e muitas vezes corriam latindo para alguns transeuntes. Sobre uma mesa na sala de estar um rádio de mesa de marca ABC, transmitia as notícias da Rádio Globo do Rio de Janeiro, bem como, as canções que invadiam o ambiente alegrando toda a família. Na cozinha, as panelas de alumínio brilhavam e o majestoso fogão a lenha, avermelhado, tinha a missão de cozinhar os alimentos colocados nas panelas de barro, panelas preferidas da dona de casa. Sobre o fogão ficava um paninho para limpar as gorduras que teimavam saltar das panelas borbulhantes. Aproximadamente às vinte e duas horas, a senhora corria para abastecer e acender os candeeiros, pois, naquele horário o motor que fornecia a luz para a pequena cidade de Guanambi – BA, seria desligado. No dia 25 de dezembro D. Lindaura e seu esposo colocavam uma mesa maior na área, com alguns candeeiros acesos que iluminavam a ceia de natal. No horário específico faziam uma prece fervorosa, contavam a história do nascimento de Jesus para os filhos e observando o céu salpicado de estrelas agradeciam a Deus pela família e pela vida.

- Aristeu Fatal

A BOLA DE FUTEBOL

Chegamos eu e Alberto, uns dez minutos antes de Deomídio à casa de Cléa. Juntos porque somos da mesma cidade, aqui pertinho do Sacomã, Santo André, onde nasci, e ainda vivo, e Alberto por ser ele, como o próprio se diz, “um paulista emprestado”, também vive! Fiquei embasbacado com o bom-gosto de nossa anfitriã, na decoração natalina, em sua sala ampla e com ótimo design. Estando o grupo formado, iniciamos aquela gostosa conversa de um primeiro encontro. Comentei com Cléa, que o Sacomã faz parte de minha memória desde a mocidade, porque sempre que vinha a São Paulo, ao passar por esse antigo bairro, na volta, perto da entrada da Via Anchieta, existia uma enorme lagoa, onde muitas crianças e, até adultos, morreram por afogamento. A população, lembro-me bem, colocou uma placa em lugar visível, dizendo “até quando essa lagoa maldita, ceifará a vida de nossas crianças? ”. Cada um, classificados no dizer Leonardo Padura, em seu livro Águas Por Todos os Lados, “não escritores de um país, mas de uma cidade”, contamos nossas aventuras e desventuras como escritores. E, exercendo a capacidade de contar, nos brindamos com causos natalinos. Coube-me ser o último a narrar um dos meus natais. Faço parte de uma família de classe média, e nossos natais sempre foram comemorados com ceia, entrega de presentes, entre meus pais, irmãos, alguns tios, minha nona Filomena, italiana da Calábria, mais ou menos umas vinte pessoas. Sempre com muita alegria. Um Natal que me marcou, com nove anos de idade, o Papai-Noel tendo chegado, eu nessa altura, já estava no maior dos sonos, deitado na sala. Não comi, e nem vi os presentes. Ali permaneci. Ao acordar no dia seguinte, me espantei, e com grande alegria, por já ser um fanático por futebol, me vi abraçado a uma bola oficial. Simples, mas minha felicidade foi indescritível. Nunca mais esqueci.

Todos felizes por nos termos conhecido pessoalmente, e passadas horas muito agradáveis, era chegado o momento das despedidas. Alberto, como coordenador da equipe, usando de sua admirável memória, declamou um causo em forma de poesia.

Abraços, sorrisos, algumas lágrimas e um até breve, foram as últimas manifestações desse grupo de escritores. O Grupo5.