Renúncia
Ele não acreditou quando viu a mãe chegar, assim, tão de repente. Ela usava um vestido que cobriam os pés, sandálias de tiras largas na cor verde esmeralda; os cabelos estavam presos num rabo de cavalo e uma tiara completava tudo. Ele não deu importância para o rosto rechonchudo da mãe, mas com certeza ele mencionaria as covinhas e os arranhões que ele carregava na testa.
Por um par de segundos eles se estudaram. Ela caminhando com certa lentidão; ele sem camisa, de cabeça baixa, com os olhos fixados no chão. A casa imunda, a pia lotada. No quarto, a cama permanecia com os lençóis amarrotados, o travesseiro jogado no chão; junto com meias sujas e a roupa intima de uma mulher. A mãe não tinha duvidas, o filho mais novo tinha, sim, levado uma mulher para casa.
Olhou a casa de cabo a rabo. Passou os dedos pelos móveis e descobriu o estado deplorável que a residência estava. Ao abrir a geladeira quase caiu para trás; um azedume lhe invadiu as narinas e uma pontada de náusea lhe subiu repentinamente pela garganta. Aquilo fora a gota d’agua.
A geladeira estava lotada de alimentos embolorados. Uma alface apresentava cheiro ruim, carne estragada, além de sobras de sabe-se lá quando. A geladeira não tinha nada além de cerveja e algumas pequenas garrafas com água.
- Fez o que nessa casa, meu filho? – Perguntou a mãe.
- Aquilo que eu sempre faço, nada.
- Se ao menos trabalhasse. – Disse a mãe, cruzando os braços e fechando a cara numa fisionomia carrancuda.
- Não trabalho, pois não dou certo em lugar algum.
- Mas é claro. Olha essa casa, olha só você. Parece um doente.
- E a senhora parece uma louca. – Ele falou.
Então a mãe se enfureceu e acertou o filho na face. Deu para ver o rosto dele virando quando o bofetão atingiu-lhe em cheio, deixando as marcas dos dedos da mãe na cara.
- A senhora nunca me bateu... – Ele disse.
- Pra tudo tem sempre uma primeira vez.
O filho levantou a mão na tentativa de revidar a agressão, porém, desistiu sem maiores explicações.
- Eu deveria arrebentar a sua cara! – Ele gritou.
- Então vem, dá um soco na sua mãe, seu covarde!
Mas ele não deu, não teve coragem e provavelmente não teria caso tivesse uma nova oportunidade. Então correu para o quarto, bateu a porta com tudo e ali permaneceu por longos e intermináveis minutos; saiu com uma mochila enfiada nas costas, duas sacolas presa nos braços, a cara fechada, e os olhos injetados de cólera.
A mãe sentada sentiu o filho passar por detrás dela, mas nem pensou em se levantar. Não teve adeus, ela simplesmente não deu valor para aquilo. Mãe e filho nunca mais se viram. Ela não teve a decepção de saber que o filho fora assassinado com vários tiros em uma briga de bar em outra cidade. E ela morreria sozinha, dentro de casa, totalmente abandonada... FIM