Conto das terças-feiras – Quebrando a inocência
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 19 janeiro de 2021.
Transcorria o ano de 1921, três anos da assinatura do armistício entre Alemanha e Aliados, que encerrara o grande conflito bélico iniciado em 1914. A repercussão desse episódio no Brasil, embora tímida, preocupou o garoto Agenor, de apenas 18 anos de idade. Com medo de ser convocado, deixou sua cidade natal e foi para o Sul da Bahia, lá trocou de nome. Incomunicável até o ano de 1934, o fugitivo retornou à cidade de Aracaju, para visitar sua família e regularizar sua condição de refratário perante o Exército Brasileiro.
Nessa ocasião, participando de uma reunião familiar festiva, veio a conhecer uma garota de 14 anos, que nascera exatamente no ano em que Agenor deixara Sergipe. Ao vê-la, o coração do moço foi flechado pelo cupido, deixando-o perdidamente apaixonado. Os dois não trocaram palavras, nem mesmo olhares, só ele a encher sua cabeça de planos com o propósito de desposá-la. Desconhecendo a idade da pretendente, retornou à zona cacaueira da Bahia, prometendo a si mesmo que no próximo ano estaria de volta.
Tão logo chegou à cidade onde residia e trabalhava, o garoto, agora com 32 anos, começou a colocar em prática o seu plano, comprou uma pequena casa e foi preparando-a para receber a amada. Adquiriu móveis, utensílios domésticos e o que mais pode, já que o dinheiro era curto. Tudo pronto escreveu uma carta para um dos tios da amada, informando que pretendia casar-se com a moça que estivera na reunião familiar quando de sua estada em Aracaju. Uma carta escrita por terceiro, pois ele quase não sabia ler e escrever, e que deveria ser entregue aos pais da garota.
Com o aceite dos pais, que também desconheciam a idade do mancebo pretendente, a data do casamento foi marcada para abril de 1936. No mês aprazado, pedido de proclamas na Igreja, tudo dentro dos conformes, o noivo chegou exatamente no dia. Não haveria festa, eles precisavam viajar na manhã do dia seguinte. A lua de mel seria na viagem de navio a vapor, conhecido como Ita, de propriedade da Companhia Bahiana de Navegação, para Salvador, distante 188 milhas náuticas de Aracaju. Navio de médio porte, com capacidade para 140 passageiros, e dotado de cabines, escolha para impressionar a jovem esposa.
Realizado o casamento na igreja, o casal, que pela primeira vez estivera lado a lado, foi para a casa dos pais da ex-noiva, trocaram de roupa, apanharam suas malas, na verdade baús, com pertences da mulher e alguns presentes de casamento, rumaram para o porto. Quando lá chegaram já estavam providenciando o embarque dos pertences dos passageiros. Ao casal estava reservada uma cabine na primeira classe, onde foram colocados os dois baús. A agora senhora Agenor nada dizia, só observava, enquanto o marido arrumava os pertences dos dois nos lugares indicados. Os baús foram colocados ao lado da cama de casal, distantes uns dois metros.
Às três horas da madrugada o navio zarpou, para uma viagem de alguns dias. No horizonte tudo ainda era escuro, nuvens negras anunciavam chuva, e foi o que aconteceu. O marido já se preparava para dormir, estava bastante cansado. No banheiro vestiu um pijama. Ao voltar para a área de dormir encontrou a esposa sentada em um dos baús, abraçando as pernas, parecia um bichinho acuado, de pavor.
— Venha para a cama Maria José, - falou o marido docemente.
— Eu não vou dormir com você, eu quase nem te conheço, vou dormir aqui - falou a esposa virando a cabeça para o lado.
— Então venha deitar que eu durmo aí.
Por teimosia ela nem se mexeu, ficou ali até o sol clarear o ambiente.
Agenor saiu da cabine para que ela se deitasse na cama e dormisse. Foi assim todo o percurso da viagem. Em Salvador esperava uma irmã do marido que, ao saber do ocorrido, em casa, chamou a cunhada e explicou que os casais dormem juntos. Foi difícil convencê-la, mas aconteceu. Nessa noite, na casa da cunhada, ela consentiu dormirem juntos. Pela manhã o semblante da esposa era outro. Deu bom dia ao marido e para a irmã dele, sempre sorridente e conversando muito.
Dois dias depois viajaram para a Região Sul da Bahia, onde a esposa veio a conhecer sua nova casa. Sempre que se lembravam da lua de mel no navio os dois riam do acontecido.