Pequeninho

19.11.2018

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Encontrei-o deitado no chão sem conseguir levantar-se. Estava ofegante, debatia-se a cada instante. O local era ao pé de arbustos densos e por acaso o vi; seu movimento me chamou a atenção quando passava por ali.

Um beija flor! Minúsculo, parece maior ao voar, a mercê de qualquer um que o quisesse pegá-lo, como eu. Peguei-o com cuidado com a mão direita, ele tentou voar instintivamente, não conseguiu! Estava totalmente sem equilíbrio. Deve ter se chocado com um dos vários vidros enormes da casa, como espelhos a refletir o sol que os atraia. Aninhou-se em minha mão ao seu calor e seu minúsculo corpo. Fechou os olhos.

- "Ei "pequeninho", tá gostoso, tá quentinho aí na minha mão ?"- ele abria os olhos e fechava como que agradecendo ao meu falar carinhoso. Um "piquititico" mesmo. Estava calmo agora. Fiquei com ele, acariciava sua cabecinha e ele a esticava - estava gostando do meu carinho! Seu bico fino e longo como uma agulha e quase do seu tamanho abria como se tivesse prazer com o meu "cafuné". Quem não gosta de um carinho, não?

- O que fazer com o bichinho? - me perguntei. Vi o caseiro perto, roçando a grama da propriedade em que eu estava trabalhando em uma reforma. Fui até ele.

- Acabei de achar ele deitado no chão, tonto, não consegue voar.

-Ah. Bateu no vidro da janela ali perto. Todo dia tem um morto no chão. Ele tá vivo?

- Sim, olhe. - Abri a mão, ele mexeu os olhos e a cabecinha.

- "Tá sim; molha a cabeça dele com água e vamos ver se ele voa. Solta perto de você senão os cachorros, os "gavião", os bichos vão comer ele".

Subi a rampa que ia até a garagem da casa onde havia uma torneira de jardim e coloquei um pouco de água na sua pequenina cabeça.

Ficou parado, continuou no quente da mão, mas sem equilíbrio, caia com o menor movimento dela. Não voou!

- Vamos bichinho, vamos reagir! - ele abria os olhos e fechava como que me respondia: -"não consigo... preciso descansar! ".

Entrei na cozinha da casa, junto da garagem, peguei uma colher de chá, coloquei um pouco de água e lhe dei no bico. Abriu os olhos, esticou sua língua finíssima, amarelada e cumpridíssima e começou a lamber em mínimos goles a água.

- Bom "pequeninho"! Ótimo, já está reagindo! Vamos, vamos, tome bastante água, vai te fazer bem. - seguia eu estimulando-o, mas preocupado. Seu estado de torpor continuava. Bebeu um pouco, depois voltou a fechar os olhos e quieto ficou em minha mão.

- O que fazer? Não posso ficar com ele na mão o dia todo!

Era já meio da manhã e tinha muitas coisas a fazer.

Tinha uma caixa de papelão de frutas em cima de uma mesa na entrada da cozinha, daquelas de carregar mamão, com as laterais não muito altas, resolvi forrá-la com uma toalha de rosto para mantê-lo aquecido e ver como se comportaria. Teria que deixar a natureza dar conta desse assunto!

Fiz o seu "ninho" e o coloquei em cima de um "cooler" de gelar cerveja, enorme, que ficava na garagem, vazio. Pus no sol da manhã, mesmo preocupado com os cachorros - eles sempre acompanhavam o caseiro - e com os demais bichos que poderiam pegá-lo, mas tinha de deixá-lo enfrentar o seu desafio, talvez o último de sua vida.

Fui fazer meus afazeres, mas com a cabeça no "pequeninho". De tempos em tempos ia vê-lo. Uma delas ele tentara voar, mas caíra no piso de pedra da entrada da garagem. Peguei-o, ele aninhou-se e fechou os olhinhos.

- Acho que deve estar com fome. Deve gostar de mel? As plantas que ele bica é por causa de seu néctar doce. Deve sim!

Coloquei um pouco na colher de chá da água e dei no bico. Novamente sua longa língua amarelada lambia o mel e ele se regozijava, dava para perceber pela sua volúpia em comer.

- Isso, vai "pequeninho", lambe todo o mel, vai ficar forte e voltar a voar, com certeza! Isso, ótimo! -falei com força, convicção e estimulo, como que lhe transmitindo toda a minha energia pelo toque de minha mão no seu corpo frágil.

Bebeu um pouco do mel e voltou a se aninhar na mão, olhinhos fechados, o bico abrindo e fechando de prazer pelo doce que lambera. Mas seu desiquilíbrio continuava, ele tombava com qualquer pequeno movimento da mão. - Sei não, acho que ele não vai conseguir! - pensei triste pela realidade da situação do pássaro. A vida estava se esvaindo ali na minha mão. Talvez fosse o último suspiro e impulso inconsciente o ato de se adocicar com o mel, seu fruto preferido e quem sabe seu último desejo!Fiquei chateado com esse pensamento, não queria que morresse!

Estava convicto que poderia salvá-lo, passando-lhe todo meu carinho e amor. Não, não queria que se fosse o "pequeninho" querido!

Recoloquei-o no ninho novamente, conformado com a situação - a natureza não perdoa- e voltei para as minhas atividades, melancólico.

Pouco depois voltei e vi o "pequeninho" deitado inerte no chão de pedra no seu último voo, olhos abertos, vitrificados. Lutara bastante, mas não teria como sobreviver sem voar! Quem sabe, pela sua situação irremediável seu intento não fora suicida? Quem saberá?

Enterrei-o, em homenagem, ao pé de um belo e lindo arbusto de hibisco vermelho paixão!

Seja lá onde estiver "pequeninho", sei que estará beijando suas flores preferidas...

Tivemos, mesmo que efêmera, uma linda e bela história de amor e carinho.

Adeus!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 17/01/2021
Código do texto: T7161938
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