O orgulho da vovó
14/01/2021
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Contratei um Engenheiro Civil com poucos anos de formado, mas com alguma experiência em tocar a execução de edificações, para cuidar de conjunto de edifícios residenciais e lojas em avenida movimentada de Curitiba, da empresa paulista para a qual eu trabalhava. Na época, era o gerente das obras lá.
Era um rapaz de seus trinta anos, alto, rosto redondo, corpo pesado, e de modos e fala calma; bonachão. Encontrava-o a cada quinze dias, acompanhando a sua atuação durante a semana que permanecia lá.
Era alegre, mas de poucas palavras, um pouco desligado, pois um dia cheguei cedo pela manhã no aeroporto, em torno das 7:30 , tendo lhe avisado para me buscar, fazendo-me esperar uma hora plantado. Não acordara no horário!
Mantive-o por algum tempo, mas não correspondia às expectativas e exigências dos trabalhos para qual era responsável, deixando acontecer alguns fatos inaceitáveis, como a queda de um trecho de laje de concreto mal escorado. Foi a sua sentença condenatória: desliguei-o naquele dia.
Fora esse fato, tivemos uma convivência agradável. Íamos almoçar juntos em restaurante por quilo, ele gostava de um pouco distante da obra, onde o valor era baixo e a comida boa.
Na primeira vez que fomos, o seu prato era uma montanha de comida, como o de um motorista de caminhão, até maior, assustando-me:
-Bom de garfo hein? – disse-lhe espantado.
-Ah, eu gosto muito de comer! - radiante, olhando a comida a sua frente, que daria para duas pessoas muito bem servidas.
-Dá pra notar!
Ele atacou o prato com sofreguidão, compenetrado e calado até terminá-lo. Para meu espanto, levantou-se e serviu-se novamente! Havia um valor fixo para comer à vontade, que ele optara claro, ao invés de pagar por quilo. Para o restaurante, era um grande prejuízo!
-Caramba, vai repetir? Você deve ter uma “sócia” e tanto contigo!
-Ah, é a melhor hora do dia!
-E você janta?
-Sim, janto, mas menos, um prato só! – respondeu rindo meio sem jeito.
Terminei minha refeição e o acompanhei no seu segundo turno. Inacreditável!
Rapado o segundo, ele deu um suspiro e lhe perguntei:
-Sempre foi assim, essa sua fome?
-Sim, de garoto comia mais!
-E não passa mal? Não lhe dá sono?
-Não.
-Seu metabolismo é fenomenal!
-Pois é. Meu apelido em casa é: O Orgulho da Vovó!
-Ah é? Por quê? – perguntei-lhe rindo.
-Ah, quando almoçava na casa dela, ficava tão feliz e dizia pelo quanto que comia: “come meu netinho, come, você é o meu orgulho!” E assim ficou: O orgulho da Vovó!
Rimos satisfeitos. Terminamos o nosso almoço e voltamos para o trabalho, com “O Orgulho da Vovó” radiante e feliz pelo seu lauto almoço na melhor hora do dia.
Ficou ele com essa alcunha na obra, lembrada mesmo depois de desligado da empresa, pois todos sabiam dessa sua característica comilona. Impressionante!
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