Peraltices na Fronteira
Creio não haver um só moleque que não tenha na memória um feito inesquecível dos tempos em que se deixava levar pela ebulição da própria juventude, ocasionando conseqüências que vão desde os prejuízos materiais até aos danos pessoais, capazes de levar o traquina a responder por seus atos de molecagem diante da sociedade onde vivia e, o mais grave, ante os próprios pais, que eram obrigados a adotar medidas de disciplina que iam desde uma chinelada até atitudes mais drásticas como umas retumbantes e sucessivas reprimendas com varinhas finas de madeira verde.
A minha infância foi recheada de episódios que marcaram uma época na gloriosa Amambaí, pois naquele tempo a própria rusticidade das brincadeiras não permitia um comportamento taciturno, daí a necessidade de criarmos alternativas que pudessem satisfazer essa exigência natural do ser humano em formação.
Recentemente tive coragem - passados mais de 30 anos - para me aproximar da minha querida professora Ramona (filha da dona Vidalvina), para pedir-lhe desculpas por uma molecagem que a atingiu, eis que ela lecionava matemática com muita responsabilidade, por isso adotava na época uma postura de severidade, exigindo dos seus pupilos a responsabilidade necessária para o desenvolvimento do ensino nessa área de exatas e isso ocasionava em nós – pobres adolescentes – certo espírito de revanchismo (daqueles que se vão criando no contexto da imagem distorcida de quem educa) incentivando-nos a criar idéias para atingirmos sua ira.
O fato é que a professora Ramona comprou um veículo “novinho em folha” e com ele veio para o colégio, deixando-o estacionado bem à frente do portão, onde pudesse espreitá-lo ou contemplá-lo quando estivesse dando aula. Era a oportunidade que esperávamos e assim um grupo de alunos, incentivados e liderados pelo Luiz (um garoto sapeca – filho de militar - maior pivô das trapalhadas que executávamos), colocamos como alvo o veículo automóvel que estava aberto, eis que naquela época ainda não imperava o temor pelos roubos ou furtos, quando o Luiz adentrou e assumiu a direção e nós o empurramos até a outra quadra onde existia uma árvore (sina-mão), que era abundante em sua ramificação, pois uma trepadeira havia tomado conta de toda a sua estrutura rudimentar, fazendo-a tornar-se um verdadeiro esconderijo. Ali dentro daquelas folhagens o veículo ficou camuflado, sem chance algum de ser percebido por alguém menos avisado.
Evidente que nosso objetivo era causar um grande susto na ilustre professora. E conseguimos. Quando ela saiu pelo portão e não viu seu veículo teve uma crise de desespero e correu para dentro avisar a polícia, quando então um de nós; vendo que o fato poderia redundar em punição, sugerimos que fôssemos seguindo as pegadas até encontrarmos o automóvel.
Outro feito que não tenho esquecido diz respeito a uma das minhas sacanagens que desenvolvi contra uma de minhas colegas que se fazia informante sobre minhas atitudes dentro da sala de aula. Essa pessoa “me dedava” para minha mãe, sendo que tudo que era de errado que eu fazia na escola vinha parar nos ouvidos de minha mãe e eu recebia as admoestações que o caso exigia.
Mas o meu espírito de revanchismo estava pujante dentro de meu interior. Assim, havia uma pessoa que fiz amizade no interior da igreja Católica. Essa pessoa era conhecida entre nós (minha família) de Irmão Carlos. Pois bem, esse religioso era encarregado de organizar e direcionar aos pobres alguns remédios que vinham do exterior (não sei de qual País). Passei a ajudá-lo, organizando os remédios por ordem de destino (mal a ser combatido), quando deparei com um chocolate que era utilizado como laxante.
Creio que a estas alturas todos já imaginam o que ocorreu. No outro dia, consegui com o irmão Carlos uma barra desse chocolate com a desculpa de que minha mãe a necessitava. Levei o doce para o colégio e primeiramente fiz uma boa propaganda, mas não deixava ninguém comer. Foi quando surgiu a minha colega visada pleiteando um pedacinho. Não me fiz de rogado e dei-lhe toda a barra de chocolate que dispunha e ainda acrescentei: - “Não come agora, porque terei de dividir com toda a turma...” Assim, atendendo minha recomendação ela escondeu o chocolate na sua mochila e a desfrutou sozinha na solidão do seu lar.
No dia posterior nossa colega não veio na aula. Alguns se perguntavam o que havia acontecido. Eu, particularmente, reservei-me nas minhas observações. Fiquei até com medo de ter praticado, involuntariamente, um mal à saúde de minha desafeta. Mas, felizmente, nada grave aconteceu; isso se vislumbrado dentro da ótica de minha idéia de revanchismo, pois minha colega não veio à escola com medo de ter de sair correndo para ir ao toalete (banheiro)!!!
Mas não foi apenas a minha infância que foi marcada com travessuras. A minha família, constituída de pessoas ilibadas e honestas viveram em Amambaí com intensidade. Essas pessoas humildes e trabalhadoras algumas vezes, inconscientemente, envolviam-se em episódios que vale a pena descrever.
Meu tio Aurecy era taxista em Amambaí. Aliás, ele foi pioneiro nessa atividade de transporte particular. Mas, não era apenas ele que tinha essa profissão na época, pois uma outra pessoa também era taxista e, por conseqüência, era adversário comercial do meu tio, pois dividiam os clientes, principalmente aqueles que chegavam à cidade nos aviões teco-teco. Estou me referindo ao Gelton, irmão do Genésio (ambos falecidos) e peço permissão a seus familiares para me referir a eles, considerando que não relatarei nada ofensivo à honra desses honrados cidadãos amambaienses.
O fato é que quando um avião desses chamado de “teco-teco” sobrevoava Amambaí era um desespero. Meu tio podia estar em qualquer lugar, no banheiro (cortava o ‘serviço’), no campo de futebol (abandonava o jogo), na mesa do almoço (engolia a seco), na missa (saia às pressas), enfim, não importava o local que estava, a prioridade era chegar primeiro que o Gelton. Assim, dava partida no seu jipão quatro portas e saia em desabalada carreira, enfrentando o poeirão do seu opositor que procedia da mesma forma.
Diz a lenda que num desses dias, quando o trabalho deu uma folga, meu tio resolveu ir ao cinema assistir um filme qualquer. Estava ele tranqüilo numa poltrona ao lado da minha saudosa tia Iracy (já falecida), quando no filme sobrevoava um avião “teco-teco”. Dizem que o tio Aurecy falou com voz entrecortada e num lance de desespero: - Fica aí Iracy, te pego depois que eu trazer os homens desse avião... Esse eu vi primeiro!!!”. Dizem que minha tia, com voz de espanto advertiu o meu tio: - Sossega Aurecy !!! Você está num cinema homem!!!;
Por muitos anos tanto o meu tio Aurecy como o Gelton, esnobavam seus carrões do ano, cada um com maior potência, para poderem alcançar maior velocidade e por conseqüência, chegarem primeiro no desembarque dos raríssimos aviões que chegavam em Amambaí.