Kinojo

07.11.2018

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Chegara há pouco à casa de seu filho mais velho. Tarde, já de madrugada.

Entrou no apartamento e foi para o seu quarto, o da empregada, que lhe fora arrumado para quando fosse para lá. Era ótimo o local, apesar de apertado, mas para alguns dias, perfeito!

A viagem de avião fora atribulada, em voo noturno, que durara no total cerca de 6 horas; houve atraso, e quase o mesmo tempo, caso viesse de carro!

Dormiu até tarde e no dia seguinte, à mesa com a sua nora e filho - era viúva e o menino filho do primeiro casamento, seu neto adotivo: "Netelho" como o apelidara, e este a ele de "Votelho.

Tomaram o café da manhã, e "Netelho" foi para a TV assistir uma série infantil que era fissurado. A nora, para o trabalho, e seu filho, que saíra mais cedo, lhe pedira para ficar naquela manhã com o moleque. Ficaram somente os dois: "Votelho e Netelho".

Era o último dia de suas férias escolares e aproveitava os últimos minutos de folga, por isso estava fixo na tela da TV. A avó materna o pegaria após o almoço para levá-lo à escola.

Antes de sair, a mãe lhe pedira para fazer um "Miojo" de almoço. Era ruim de comer, o "Netelho"!

- Vai comer "kinojo", ô "Netelho"! Coisa ruim heim!- disse-lhe.

- Eu gosto! E não é "kinojo", é Miojo! - responde o menino enfático.

- Para mim é "kinojo", pura química!

- MIOJO! -replicou firmemente.

Ficaram os dois na TV. "Votelho" sugeriu, então, descerem para jogar bola no play ground do prédio. O menino topou e correu para o quarto, colocou as chuteiras, pegou a bola e desceram os dois. Tinha chovido na noite anterior e o piso do local em grama sintética ficara encharcado. Perfeito para a bagunça.

Começaram a jogar, a bola molhada com o moleque escorregando e caindo a cada chute, que ficou molhadinho da cabeça aos pés! Sorriam de alegria, os dois. "Votelho" também encharcado, sua bermuda branca era agora bege escura, marcada pelas boladas que recebera do garoto!

Rememorou a sua infância, dos tempos que gostava de jogar bola na rua quando chovia, da enxurrada correndo no asfalto, uma farra que se repetia agora.

- Vamos subir, está na hora de fazer o seu "kinojo"- disse-lhe.

- MIOJO! Não é kinojo! - respondeu irritado, mas risonho.

O garoto foi se trocar para ir para a escola e sentou-se de novo na TV, voltando a ver o mesmo capítulo da série infantil; irritante!

Ele na cozinha com o pacote da gororoba química nipônica na mão, lendo as instruções - seria a primeira vez que faria o "kinojo".

- Cozinhar a agua até ferver; colocar a massa - que mais parece barbante enrolado - por alguns minutos, abrir o saquinho do molho(!) e despejar na massa. Só química!- falando para si.

Fez como as instruções explicavam e experimentou: gosto de isopor com caldo de galinha - horrível!

Colocou no prato os barbantes molhados e serviu ao menino, que comeu com ardor. Limpou o prato e repetiu!

- Você adora "kinojo", né? - alfinetou.

- M I O J O O O O! - respondeu soletrando as letras, fazendo-o rir.

Chega a avó anunciada pelo interfone do prédio, ele desce com o menino, se despendem.

- Ele almoçou?- pergunta ela.

- Sim vó, comi todo o miojo que ele fez! Ele fala "kinojo", mas não é! É MIOJO, né vó?

A avó ri, entra no carro, ele já no banco de trás. Foram para a sua volta às aulas.

Sobe ao apartamento e vê na panela que sobrou a água com todo aquele molho de caldo de galinha sintético e químico.

"Vou usá-lo. Vou ver se tem uma massinha e faço um caldo!" - pensou ele.

Tinha resto de espaguete velho! Esquenta o caldo, coloca a massa, um dente de alho para torná-lo um pouco mais natural. Pronto, coloca no prato fundo a sopa fumegante , fazia um friozinho e aquele caldo iria lhe esquentar.

Experimentou e não estava ruim, parecida com as naturais - seria o alho? - lembra até as de restaurantes, ou como as de hospital......Tomou-a toda!

Lembrou então de Lavoisier: " .......nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, ou reaproveita! "

Muito boa a sopa de "kinojo", ou MIOJO?

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 11/01/2021
Reeditado em 11/01/2021
Código do texto: T7157377
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