Chico Lobo e a arca
Chico Lobo e a arca (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
O mês de julho iniciava. O sol forte do outono, aos poucos, ia esfriando, fazendo com que a tarde ficasse mais fria e o sol se punha no horizonte mais cedo, formando uma linda paisagem rubro. Pássaros voavam para os abrigos. Aos poucos, a noite fria se iniciava, trazendo um pequeno frio. Após o banho mais cedo, o jantar era uma ótima e perfeita sopa de macarrão, com galinha caipira, batata, tomate, feijão, angu, arroz, acompanhado do doce de leite e queijo fresquinho.
Após a bela noite dormida, com cobertas bem quentinhas, o dia amanhecia. O sol logo brilhava no horizonte. O frio da noite anterior era sinal que houve uma pequena queda de geada, pois a reduzida camada branca de gelo era vista cobrindo a pastagem. Os dedos das mãos ficavam dormentes e a água até doía de tão fria.
Todos os dias, por volta das seis horas e trinta minutos, Chico Lobo chegava ao trabalho. Com um chapéu preto cobrindo a cabeça, rosto magro e pequena barba, olhos bem arregalados, vestido com uma camisa xadrez em mangas longas, um paletó na cor preta de tecido antigo denominado casimira, uma calça social de tecido de tergal, com alguns remendos, arregaçada até a canela, calçado com uma botina ora na cor preta, ora na cor marrom. Sobre o ombro, carregava uma enxada, de marca “jacaré”, a marca preferida dele.
Ouvia-se o bater da porteira ao longe. Escutava-se o assovio de alguma música e também a linda voz que ele exibia, cantando sempre algo diferente. Aos poucos era ouvida a voz dele, na porteira, assim dizendo:
- Padrinho, já cheguei. Posso entrar?
E meu pai, já estando no curral tirando o leite, o abençoava (Chico Lobo era afilhado de meu pai e todos os dias tomava bênção dele, com todo o respeito para aquela época), assim respondia:
- “Deus abençoe você e sua família”, referindo-se à esposa de nome Maria.
Conversavam. Os assuntos eram sempre bons. Decidiam o que fariam naquele dia. Iam colher a roça de milho, iam preparar para a colheita do café, enfim, os serviços cotidianos da agricultura.
Porém, naquele dia, o Chico não apareceu. O relógio marcou sete horas, sete e trinta, oito, enfim, nove horas. Meu pai, dirigindo-se a mim, disse:
- Filho, vá até a casa de Chico e olhe o que aconteceu. Ele, até agora, não apareceu. Poderá estar doente, poderá ser que a Maria esteja doente, ou algo aconteceu. Vá depressa, pois vou terminar de tratar do gado. Não demore. Sei que você gosta de ver a natureza, vá até lá e me traga notícias.
De chinelas nos pés, vestido com uma camisa de malha, uma bermuda, uma blusa azul, com o boné do Atlético sobre a cabeça, sai dali bem depressa. Não queria perder nenhum minuto sequer, pois a pressa em saber notícias era imensa.
Assim que alcancei a porteira, uma estrada levava até à casa de Chico. A paisagem ia mudando aos poucos. O verde se misturava à pequena névoa no caminho. Pequenos arbustos se confundiam com grandes árvores. Algumas formigas passeavam tranquilamente pela estrada. Os raios solares aos poucos iam aquecendo a terra fria. Pássaros voavam e cantavam entre arbustos, trazendo uma paz e uma felicidade tão grande. Eram férias escolares do meio do ano. As notas escolares estavam boas. Em minha bagagem de férias, dois livros estavam na cabeceira de minha cama: Machado de Assis e José de Alencar, com os títulos “Memórias de Braz Cubas e Iracema”, respectivamente. Queria chegar lá o mais rápido, pois já estava na metade do livro de José de Alencar, a natureza descrita por ele era tão fascinante que a via em minha caminhada até à casa de Chico. Em determinado momento, vi uma cena inusitada: Um casal de gaviões que, no alto de uma árvore, cantavam e estavam bem juntos. Mais à frente, quatro rolinhas estavam pousadas nos galhos de uma árvore e contra cantavam o pequeno som do “fogo apagou”. Àquelas belas cenas e o ar tão meigo e fresco da manhã, não vi outra saída a não ser sentar-me na grama e ficar por lá olhando, ouvindo e pensando como a natureza é bela. O tempo foi passando e ouvi a voz de meu pai, quase perto de mim, dizendo:
- Filho! Você não foi lá? Eu me incomodei e estou aqui para saber o que ouve. Vamos...
A passos largos, ia andando depressa e mal conseguia alcançá-lo. A casa de Chico estava bem próxima. Bastaria passar em uma porteira, atravessar um córrego repleto de pedras, passar por quatro moitas de bambu. À direta, protegida com cercas construídas de bambus, muitas árvores, um imenso e lindo jardim de flores, um portão construído de madeira e bambu, amarrado com arame, feita de pau a pique, com janelas de madeira, ao fundo a chaminé soltava uma fumaça branca, que se misturava ao azul celeste. Era a vivenda do Sr. Chico Lobo.
- Chico, você está bem? Desta forma, meu pai chamava por ele.
Após algumas insistências, ouviu-se uma pequena voz, lá no fundo, que respondia:
- Oi, já estou indo...
Passaram-se alguns segundos. Instantaneamente, a porta da sala se abre. Não demorou muito para abrir, mas foi aberta e se ouvia o som das dobradiças da porta. Elas deveriam estar cantando alguma canção de ninar. O som se misturava com o cantar do galo no pátio e algumas galinhas fazendo muito barulho. O gato descia da cerca e miava muito. O cachorro de estimação foi o primeiro a sair e queria a liberdade. Parecia que ele estava na prisão. Veio em nossa direção. A cauda era abanada constantemente e deveria estar fazendo festa. A maritaca de estimação estava na cerca e logo foi dizendo em linguagem: Chico, ô Chico...
Com a porta aberta, aparece a Senhora Dona Maria, a esposa. Uma senhora não muito alta. Deveria medir aproximadamente um metro e setenta centímetros. De cor clara, cabelos que se misturavam entre a cor preta e a cor branca, sobre eles tinha um lenço na cor branca que cobria os longos cabelos amarrados. Vestida com uma blusa azul, coberta por um paletó na cor cinza, uma saia longa, na cor vermelha e calçada com um sapato na cor preta e meias brancas, ela nos olha e diz:
- Benção, Padrinho. Bom dia, José...
- Deus lhe abençoe e lhe guarde, respondia meu Pai.
- Bom dia, Dona Maria, respondi.
- Vamos entrar. Estou fazendo o café e fritando alguns biscoitos de polvilho. Eles espirram muito...
- Maria, disse meu pai. Hoje fiquei preocupado com o Chico. Ele não apareceu. Pedi para o José Carlos vir até aqui para saber notícias. Pensei que alguém de vocês estivesse doente. Ele demorou e estou aqui para saber. Está tudo bem com vocês?
- Sim, padrinho. O Chico está levantando...
Por um pequeno intervalo, ouvimos algumas tosses e alguns espirros que saiam do quarto, logo ao lado da cozinha. Um pequeno fogão à lenha, com uma trempe de quatro bocas. O forno, com a porta aberta, e dentro dele, um prato repleto de bolinhos de polvilho. O fogo aceso, um caldeirão que cozia o feijão, um adulador aquecia a água com açúcar. Duas tampas barravam as chamas do fogo alto. O suporte, ao lado da lenha, que alimentava o fogo, via-se que várias colheres de pó de café foram despejadas ali, pois o café feito por Dona Maria era muito forte e muito doce.
Já estávamos sentados no banco da cozinha, quando Chico Lobo ali apareceu. Já vestido com as roupas do trabalho, foi logo dizendo:
- Benção, Padrinho. Zé Carlos, você está calçado e de chulé?
Meu pai o abençoou e eu logo sorri, pois Chico Lobo era uma pessoa muito criativa. Não tinha estudos, mas sempre dizia alguma frase e na mesma frase gostava de fazer rimas. Era um verdadeiro poeta e também um filósofo. Pensava muito e dizia coisas que somente mais tarde pude compreender, no momento em que estudava a cadeira de Filosofia na faculdade.
- Padrinho, dizia ele, com a voz muito forte.
- Eu atrasei para o serviço. Fiquei dormindo até agora, mas vou lhes contar o que aconteceu...
Chico Lobo tinha o hábito de rotar muito. Rotava o tempo todo. Quando conversava, dava alguns pulos, batia com a mão na perna, dava pequenos tapas em seu rosto, jogava o chapéu no chão. Soprava muito como se estivesse bufando e mais outras manias.
- Padrinho, continuou...
- Ontem, quando sai da casa do senhor, cheguei aqui e a Maria pediu para ir buscar lenha. O frio de ontem era sinal de geada hoje.
Meu pai o interrompeu e disse que havia caído um pouco de geada.
- Bebi um gole de café. Comi do bolo que a madrinha Tereza me deu, estava um colosso...
- Peguei o machado, algumas cordas, o carrinho de mão e fui ao pasto da Maria Rita. O sol estava querendo esconder. Preparei a lenha, carreguei o carrinho e já estava indo embora...
- Quando eu me abaixei para pegar o último pedaço de madeira, encontrei uma caixinha. Ela está aqui.
Saindo correndo, rotando muito e bufando, rapidamente estava ele na cozinha e segurava uma pequena caixa. Não era muito grande, mas uns quarenta centímetros. Na cor preta, feita de madeira e com um pequeno arame segurando a porta do restante da caixa, ele disse:
- Olha Padrinho. A caixinha está aqui. Quando abri, achei estas pedras. Veja, que coisa mais linda...
Assim que olhamos, a caixinha tinha quatro pedras, medindo em média cinco centímetros cada. Eram tão brancas, muito brancas que mais pareciam diamantes.
- Estou rico Padrinho. É puro diamante.
- Esta, a maior delas, é para o Senhor. As outras são minhas. Vamos até a cidade e vendê-las. Vamos ficar ricos.
Chico pulava de alegria. Ao mesmo tempo, rotava, dava tapas no rosto...
- Então vamos, respondeu meu Pai.
Rapidamente saímos dali. Os dois cavalos foram arriados e em pouco tempo já estávamos na cidade. Fomos ao gerente de um banco que morava próximo a nossa casa. Lá chegamos, fomos atendidos pela esposa dele. Assim que ele nos viu, veio logo depressa, pois gostava muito tanto de meu pai quanto de Chico Lobo.
Chico contou toda o veredito para o gerente. Ele olhou e logo ligou para um amigo, que imediatamente veio. Após as formalidades, o amigo do gerente disse:
- Senhor Chico. Eu sou engenheiro de minas. Estou fazendo um trabalho de pesquisa para uma mineradora que deseja explorar alguns minerais nesta região. Fiquei trabalhando por muitos dias naquela região. Passei perto de sua casa, estive em vários pastos. Perdi uma caixinha com um tipo diferente de minério. Esse minério é um tipo de cristal. É muito bonito e até parece com diamante. Mandei anunciar o perdido.
Abrindo a caixinha, estavam as quatro pedras e ao lado, uma folha de papel com várias anotações e a assinatura do engenheiro.
Chico entregou a caixinha e ficou um pouco triste, mas cumpriu a honra em ser uma pessoa honesta. A riqueza é dele e somente a ele pertence. Saímos e fomos embora para a roça, pois ainda faltava um pedaço de dia para terminar. Quando íamos aproximando da roça, ouvimos um barulho do motor de um veículo. Era o gerente e o engenheiro que estavam dentro. Eles desceram e disseram:
- Chico, por sua honestidade e seu caráter, viemos trazer um presente para o Senhor, pois o senhor salvou vários anos de pesquisa do banco e da companhia de mineração.
Abrindo o bagageiro, deu de presente para Chico uma cesta de vários alimentos, carnes, queijos, roupas, uma nova enxada e um radinho de pilhas.