Patife

01.11.2018

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Fui fazer exames de sangue de rotina. Não tenho problemas agora para doar sangue, mas já aconteceu situação inesperada que nem eu mesmo acreditei!

Foi há muitos anos, quando fui doar sangue para o pai de uma amiga da escola secundária.

Naquela época era recém-casado; fomos os dois. Entramos no laboratório, informamos nossa intenção e fomos encaminhados para a entrevista. A enfermeira entrevistadora fez as perguntas de praxe, nome, idade, e:

- Qual seu peso? - para ela.

- Cinquenta e dois quilos!

- Está no limite, abaixo de 50 quilos não pode doar! - retruca.

A mulher, desconfiada, disse a ela:

- Você pode passar mal, desmaiar, tem certeza que quer doar?

- Sim, claro, não tenho nenhum problema!

- E o seu? - para mim.

- Oitenta e cinco.

Fomos para o local, "box" separados por cortinas com cama e cadeira, aquele suporte de braço peculiar; ficamos lado a lado, eu e ela, cada um em um deles.

Entra a enfermeira, me olha, cumprimenta, pede para me deitar, escolhe o braço, cutuca com a agulha a veia, está difícil de achar, consegue e engata a bolsa.

Fico ali aguardando o final, a bolsa se enchendo devagar com aquele liquido denso, pastoso, de um vermelho amarronzado: meu sangue!

A enfermeira entra a cada instante, me olha quieta, verifica a bolsa, tudo indo:

- Tá tudo bem? - pergunta.

- Sim! Tudo bem.

A bolsa se enche, a enfermeira entra, tira todos os apetrechos, faz aquele "curativozinho", peculiar também, com "band aid" redondo , o troféu por ter doado sangue, e :

- Fique deitado mais um pouco, vamos levantar devagar, você está um pouco pálido!

- Pálido! Mas me sinto bem!

- Quando se levantar pode sentir tonturas e desmaiar!

- Tá bom!

Entra na saleta a esposa e me diz:

- Você parece uma folha de papel, branco!

Fico ali deitado, ela sai para tomar suco de laranja, comer bolachas, etc. para a sua recuperação.

Sigo mais um tempo esticado, a enfermeira volta, me olha e diz:

- Está voltando a sua cor, vamos sentar na cama para ver o que acontece.

Sento e sinto um pouco de tontura , falando para ela. Espero mais um pouco, a esposa vem, desço da cama, caminho até o lanchinho, tomo o suco com muito açúcar, pego as torradinhas e seguimos para a saída. Uma subida para se chegar à rua. Subimos, e quando chego ao seu topo, meus olhos escurecem e desmaio!

Volto à vida, sentado encostado à parede, a esposa preocupada, mas aliviada pelo meu retorno, pessoas em volta oferecendo ajuda.

- Tá se sentindo bem?- ela pergunta.

- Sim.

Vamos para o carro, me sentindo melhor, conversando e ela me diz:

- E eu que ia desmaiar hein!- ria; eu também.

Agora, sentado na cadeira com aquele porta-braço-para-tirar-sangue ao meu lado, entra a enfermeira. Morena, sorridente e cumprimenta:

- "Bom dia!" - com o típico sotaque baiano.

- Bom dia! Baiana você, não?

- "Sou, mas moro aqui faz alguns anos, mas o sotaque não sai, né. Casei com paulista. Oche!"

- Ah, dá pra notar.

Ela pega meu braço, coloca naquele porta-braço-para-tirar-sangue, amarra o braço com o típico elástico, aperta, procura minhas veias, e lhe digo:

- Olha, sou patife, posso ficar pálido. Já aviso para não te causar problemas e ficar preocupada!

- "Não se avexe não, homem é patife mermo, por qualquer coisinha desmaia! Tem medo de uma picadinha de nada." - diz risonhamente.

- Pois é! Já desmaiei em outras ocasiões, mas foi há muito tempo, e ultimamente nos exames que fiz , nada aconteceu.

- "É ruim de veia, hein! Consegui achar uma, parece que ela é que tá com medo do furo, fujona!"- rimos .

Fura a bendita, coloca a ampola, serão três! A primeira se enche rápido, desconecta e reconecta outra, que demora a encher.

- "Estourou, a danada! Temos que arrumar outra. Vo ti furá dinovo!"

Relembro do desmaio e me pergunto: será que hoje vai acontecer?

-Estou pálido?

-"Tá não! Um pouquinho só descoradim"- sorrindo largamente para mim.

Procura no outro braço, olha com cuidado; eu a observo. Encontra uma, parece boa, espeta a agulha, engata a ampola, ela se enche rápido, retira e insere a última da mesma forma.

- "Proonto !" - diz no seu "baianês".

- "To branquinho?"

- "Tá não! Tá coradinho! Tava brincando com você. Não vai desmaiar não, menino!".

Levanto tranquilo, dois esparadrapos redondos, um em cada braço apontando como fui furado.

Saio do laboratório, subida à minha frente e me volta de novo a lembrança:

- Será que vou desmaiar, hoje?

Subo devagar, passo a passo, mas não sinto nada; aumento o ritmo. Estou bem.

Pelo visto não sou mais "patife", até o próximo exame. Veremos!

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 08/01/2021
Código do texto: T7155191
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