O mundo hoje é selfie

01/01/2021

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Sentado sob o guarda sol em dia ensolarado e limpo, sem qualquer nuvem que impedisse os azuis de se encontrar retilineamente no horizonte, observei mãe e filha chegarem à orla da praia, quase junto d’agua.

Via somente as silhuetas: a menina de cabelos longos, corpo esguio, adolescente ainda; a mãe, já com ele cansado e de cabelos curtos. Abriram duas espreguiçadeiras e estenderam toalhas sobre elas; deixaram as bolsas ao lado: se instalaram.

A mãe, agora de chapéu, conversou um pouco com a filha e saiu a caminhar. O dia convidava. A filha sacou o celular da bolsa e começou a fazer poses, selfies, em pé. Minha mulher foi caminhar também quando elas chegaram coincidentemente.

Eu lia um livro, parando por esse fato. Já me chamara à atenção outro dia com outra menina fazendo o mesmo. Nada de desfrutar do local, das belezas do mar, das encostas, do céu límpido, do marulhar das ondas, do ventar acariciante, nada, enfim, toda a natureza à sua disposição. A realidade hoje é totalmente virtual e egocêntrica!

Acompanhei as poses da moça por algum tempo com esse pensamento, voltando depois à leitura. O livro de Moacyr Scliar, coincidentemente fala da riqueza de vida que há na água, como o mar à minha frente, sendo o personagem principal, um professor de Historia Natural de mesmo nome do meu filho mais velho, Marcos. Li mais alguns capítulos.

O tempo passou, levantei os olhos e a vi em pé no raso, ainda com o celular na sua mão direita com o braço estendido, deitando sua cabeça lateralmente com seus longos cabelos esvoaçando ao vento: pose de artista!

Minha mulher fazia mais de hora que caminhava e voltou naquele instante:

-Que dia maravilhoso! E que calor; vamos entrar no mar para refrescar o corpo?

-Sim, vamos.

Fomos até ele com ondas fracas e espumantes, meio fria, ótima para nos refrescar. Adentrei mais na água que ela, que se deitou no raso, dando gritinhos de prazer do friozinho do mar. Vieram ondas mais fortes e mergulhei por cima delas, sentindo o seu frescor no corpo. Delicioso e revigorante é o mar!

Saímos do mar com o sol forte nos aquecendo, caminhando para o nosso guarda sol junto à duna de areia, nosso lugar cativo na praia.

Sentamo-nos nas cadeiras de praia abrigados e vi que a “selfie girl” continuava insaciável nas suas poses e trejeitos, ainda!

-Querida, você foi caminhar, quando aquela menina chegou. Você voltou, entramos na agua, e ela está lá, desde então, tirando selfies! Incrível não? - apontado para a garota.

-O mundo hoje é selfie. Você é ninguém sem elas nas redes sociais! – me responde.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 03/01/2021
Reeditado em 03/01/2021
Código do texto: T7151058
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