Consultor Sergio Fernando
Sergio Fernando inicia a sua carreira de consultor. A empresa que o contrata como diretor associado publica "release" noticiando a sua contratação e enaltecendo o seu vasto conhecimento em investigações penais sobre corrupção e crimes financeiros. Informa que ele dedicará o seu tempo e trabalho em colocar os seus conhecimentos aos serviços das empresas contratantes, para instruir sobre os procedimentos de "compliance" e de como evitar processos considerados espúrios. A empresa que o contratou tem entre seus clientes, principalmente, empresas que tiveram problemas com a justiça e encontram nos seus serviços a maneira de perfazer uma recuperação das suas atividades econômicas.
A consultoria, devemos reconhecer, é uma atividade intelectual legítima. Serviços intelectuais usam como base o conhecimento associado com a faculdade de compreender uma realidade e suas circunstâncias, e com o domínio analítico da estratificação do saber para uso de diagnósticos e decisões por parte de quem se está utilizando desses serviços. O consultor vale pela sua representatividade e reconhecimento na área em que atua.
O consultor é, frequentemente, fonte preciosa de informação e conhecimento. Um empresário independente pode ter dele, por exemplo, explicações de tudo o que determinado assunto envolve e tomar as suas próprias decisões. Isto não é incomum: um consultor tem um domínio sobre o tema que pode ser considerado mais do que um técnico especializado – impossível categorizar –, e que muitas vezes basta uma conversa para o empreendedor ou o patrocinador de um projeto tomar decisões estratégicas. Que valor pode ter isto?
Ocorre, entretanto, que Sergio Fernando não costumava pensar dessa forma. Sergio Fernando foi uma figura pública por uma circunstância bem tipificada como servidor público. Ele foi um juiz federal que se dizia especializado em crimes financeiros e notabilizou-se pela rigidez, nas suas decisões, com que tratava os acusados de corrupção. Mas era de notório conhecimento comum que ele atuava em consonância com a equipe de investigadores, o que configurava uma atuação ilegal, ainda que tolerada pela sociedade e pela maior parte da imprensa.
Era de notório conhecimento comum, também, que Sergio Fernando era o comandante-em-chefe de uma grande operação anticorrupção o que, apesar do grande apelo popular, fazia com que o fato caracterizasse, ele mesmo, um corrompimento do processo legal, uma traição do ordenamento jurídico. Sergio Fernando tinha a função de aplicar a lei, não de investigar ou de colaborar com investigações. A sua experiência e conhecimento em investigações criminais, como anunciado pelo seu empregador, não poderia ter um fundamento plausível, ou um fundamento legal, pelo menos.
No papel de magistrado, Sergio Fernando jamais considerou a atividade de consultoria como uma atividade legítima do meio empresarial. Antes, Sergio Fernando demonizou os consultores como simples atravessadores de vantagens ilegais entre partes em uma relação comercial. Tratava-se, tão somente, da viabilidade da corrupção.
Para tanto, Sergio Fernando orientou e aceitou argumentos dos acusadores de que os consultores não apresentavam provas do seu trabalho. Sergio Fernando jamais considerou o conhecimento intangível como algo que pudesse ser valorado e de importância estratégica. Ele e os acusadores estatais sempre tiveram a tendência de querer racionalizar esse tipo de sabedoria intangível estabelecendo que tudo deveria estar catalogado e inventariado dentro do seu raciocínio obtuso.
Para os que acompanharam com atenção a sua trajetória, e para os que sofreram algum processamento sob sua condução, causou enorme estranheza a nova carreira e, ainda mais, muito mais, a área de atuação do seu empregador. Não havia lógica ou coesão com o pensamento conhecido de Sergio Fernando. Chegava, mesmo, a faltar nexo, que foi sempre o que muitos réus apontaram e reclamaram nas sentenças que sofreram.
Como poderia ser possível para Sergio Fernando exercer uma atividade que ele mesmo nunca reconhecera como verdadeira e genuína? E que jamais admitira a sua valoração? O seu desiderato condenatório, enquanto juiz federal, sempre falou mais alto e jamais considerou a atividade intelectual da consultoria como algo legítimo.
Dentro de algo que se pode minimamente chamar de coerência, Sergio Fernando jamais poderia ter aceitado este seu novo trabalho, sem deixar indelevelmente a assinatura com firma reconhecida e devidamente carimbada no seu Atestado de Hipocrisia.