O chafariz
No centro da cidade há um chafariz.
No meio do chafariz, meninos se banham.
Riem, brincam, jogam água e fazem festa.
Se refrescam e esquecem da vida errática das ruas e semáforos, esmolas e furtos, policiais e reformatórios; das famílias destruídas e avós deprimidos, irmãos presos e pais drogados; da fome e frio, chuva e sol, medo e ousadia, vida e morte.
Sem limites, causam algazarra que atrai olhares:
Do pequeno empresário que abre a porta do comércio; do motorista que aguarda no semáforo; da militante atrasada para o psicólogo; do turista que visita lugares históricos.
Olhares que refletem sobre a pele queimada e molhada daqueles meninos sem lar.
Refletem sem querer:
“Melhor seria se não existissem”.
Para não afugentar clientes; para não pedirem e furtarem; para não reproduzirem os problemas sociais; para não emporcalharem um monumento.
E assim esses olhares tristes passam alheios pelos meninos que celebram a vida por um pequeno momento.
— É Natal, será que as tias da Igreja vêm hoje trazer a ceia?
— Presentes, talvez?
E a tarde quente de verão se passa no centro da cidade que não para.
Onde há um chafariz cheio de meninos que só riem.
***
Dedicado a todas as crianças que não vieram a este mundo celebrar.