Conto das terças-feiras – Areando talheres

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 29 de dezembro de 2020.

No almoço de Natal, que este ano, 2020, aconteceu no dia 25, tivemos a grata satisfação de receber em nosso apartamento nossos filhos, netos, genros e nora. Foi uma tarde alegre que se estendeu até às 22 horas. Conversamos sobre os Natais passados, sobre o período antes dos netos, a infância e adolescência dos filhos, as realizações deles como adultos e outras amenidades. Todos estavam alegres, principalmente os netos, que brincavam com os presentes recebidos e, é claro, os dois menores, ambos de quatro anos, também brigavam pela posse de algum brinquedo que o outro estava segurando. Coisa de criança nessa idade.

Tudo que era utilizado, isto é, que poderia ser colocado na lavadora de louças, lá era colocado. Certo momento lembrei-me da casa de meus pais, em datas semelhantes. Em princípio, quando ainda criança, era um dia quase normal, pela manhã abríamos nossos presentes e íamos imediatamente para a calçada fazer inveja às outras crianças do quarteirão. Orgulhosos, passeávamos com os nossos carrinhos e a irmã com sua boneca. Isso era nossa festa, não havia almoço de Natal, embora nossa mãe caprichasse um pouco mais nessas datas. Ganhávamos também roupas novas, para a visita aos nossos avós.

O que me veio à memória foi nossa mãe areando os talheres, em contraste com o que estava acontecendo aqui em casa, tudo lavado pela máquina. Os talheres daquela época eram fabricados com materiais que sofriam oxidação, e precisavam ser lavados imediatamente após o uso.

Antes, os talheres sugeriam inutilidade para muitas pessoas, isso no século passado. Conta a história, que foi Eva, a de Adão, a primeira pessoa a utilizar um instrumento para comer sem usar diretamente as mãos. Numa praia deserta, a primeira mulher na face da terra, ao abrir uma concha calcária de ostra, percebeu sua utilidade como utensílio perfeito para levar à boca substâncias líquidas. Os garfos surgiram a partir do século XI. A história registra uma princesa de Constantinopla, que chegou à Itália usando um objeto de duas pontas para levar à boca pedaços de alimentos, que lembrava a lança do demônio. A faca surgiu na idade do bronze e do ferro, entre a pré-história e a história. A partir daí ela começou a se diversificar, surgindo a faca utilizada para caça e rituais, cozinha e a utilizada para comer. A colher, na mesa dos comensais é dessa época.

Pois bem, os talheres que todos nós utilizamos na diária vêm desse aprimoramento constante, mas na década de 1950, os de nossa casa eram ainda daqueles que facilmente se oxidavam. Depois de utilizados minha mãe levava-os para areá-los no quintal. Sentada em um banquinho tendo à frente uma bacia com água, sabão caseiro feito a partir de banha de porco, duas ou três buchas vegetais, que colhíamos de uma trepadeira vulgarmente conhecida por Lufa, plantada pela nossa mãe. Também contava com areia da praia, que ela mesma recolhia, colocada em uma pequena vasilha que, juntamente com a bucha, ajudava a deixar os talheres brilhantes.

O ritual iniciava-se com ela acomodando os menores a seu lado e entregando uma colher a cada, para que imitassem os seus gestos. Para nós, era um exercício saudável, estar ao lado dela e o seu cuidado eram a nossa proteção. Para ela, era um trabalho cansativo. O seu esmero em deixar polidas colheres, facas e garfos levava-a à quase exaustão, principalmente depois de aniversários e natais. Mas fazia isso com satisfação, como todos os outros serviços da casa. Éramos seis irmãos, na década de 1950, depois nasceram mais dois, o que não abalara a sua paciência.

Com o passar do tempo, os natais na casa de nossos pais foram ficando mais alegres, com a participação dos filhos, noras e netos. Sob o comando de nosso pai, imitando Papai Noel, acontecia a entrega de presentes comprados por ele, para todos ali. Nossa mãe e nossa irmã se responsabilizavam pelos comes e bebes, tudo a correr perfeitamente. A casa ficava igual ao que estamos vivendo agora, em nosso apartamento. E a vida continua, desta vez com o meu filho fazendo às vezes do Papai Noel.

Voltando ao Natal de 2020, a pandemia, graças a Deus, não atrapalhou o nosso encontro anual. Éramos exatamente 14 pessoas, como determinou o Governo do Estado do Ceará, para conter a ação danosa do corona vírus, sete vindo de lugares distantes. Espero estar presente no Natal de 2021, no mesmo cenário e diante da mesma alegria.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 29/12/2020
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