Nascimento
Quando criança J. viu a barriga da sua mãe ir ficando maior a cada dia. Não demorou muito e ele conseguia ver o volume que tinha na barriga de sua mãe. Ele sabia que tinha um bebê a caminho, pois era o que todos falavam. Os nascimentos naquela época e lugar aconteciam do nada, as crianças saiam para brincar e quando voltavam, as suas mães estavam com um bebê no colo.
O irmão que era um ano mais velho que J. era seu companheiro inseparável na infância. Estavam sempre juntos. Aprontavam juntos e também pagavam juntos quando seus pais os pegavam aprontando das suas. Ele era um menino muito apegado a gatos, sempre estava com um bichano em baixo do braço. Muitas vezes os gatos chegavam a se esconder dele, devido ao amor, que eles não sentem muito prazer, que a criança tinha por eles. Pois é, os carinhos iam ficando mais e mais pesados conforme o menino ia crescendo. Para J. o irmão era o menino dos gatos.
Então, certo dia eles estavam impedidos de entrar em casa. Isso era como uma permissão para virar o mundo por aí, porque até então tudo tinha acontecido em uma ordem totalmente diferente. Sempre vinham para casa à custa de ordens e ameças de estarem com o couro prometido ao couro. A mãe de J. estava prestes a dar a luz.
As ordens que foram dadas aos dois, por seu pai, os deixaram, em certa medida, confusos. E quando se fala a uma criança que ela não pode fazer algo, é aí que ela sente vontade, e devo dizer curiosidade, em fazer. Neste caso eram duas crianças com muita coisa para conhecer do mundo e o que é a vida.
Então eles se afastaram da casa por algumas horas, mas não demorou muito para o verminho da curiosidade começar a roer os dois por dentro. Era uma pulsão que os impelia a irem até a casa ver o que estava acontecendo. Foram vencidos e, devo dizer, devorados.
Como faziam várias horas que haviam recebido a intimação para não aparecerem até serem chamados, e todos estavam trancados dentro de casa ocupados e preocupados com o nascimento, os dois meninos foram, aos poucos, aproximando-se da casa. De longe e ainda no mato escondidinhos viam que não haviam movimentos fora da casa, eram cautelosos, tinham que ser. Primeiro os dois saíram do esconderijo e se fizeram visíveis a quem estivesse do lado de fora da casa. Não escutaram nada e não viram ninguém. Aos poucos foram se aproximando, mais e mais. Quando perceberam estavam os dois encostados, imóveis, na velha parede de madeira. A comunicação era feita por mimica e sussurros. Sempre um perguntando ao outro se estava escutando ou vendo alguém. Temiam serem descobertos pelo seu pai ou mãe. Não sabiam da condição em que a mãe se encontrava naquele momento. J. percebeu a inquietação do seu irmão, e perguntou "o que você tem? parece que tem formiga na cueca!", em um sussurro quase inaudível. "Não estou vendo meu gato", foi a resposta do irmão. J. pediu que esquecesse o gato e se concentrasse para ouvir algo lá de dentro. O silêncio que fizeram os impedia de escutar até seus pensamentos. Eles estavam conseguindo escutar algumas vozes abafadas, seguidas de uma respiração ofegante e gemidos. Então a criança nasceu e soltou um chorro estridente de recém nascido. Ao ouvir o choro da criança o irmão de J. bradou: "eles estão matando o meu gato!!!!"