O milagre de Natal de Jaime

(Texto inspirado em fatos reais ocorridos em 24-12-2020)

Jaime estava há alguns dias diante de um conhecido supermercado da cidade, com um cartaz feito de papelão, escrito à mão.

O calor estava imperdoável por esses dias e voltávamos de uma caminhada quando o avistamos.

"Eu o vi ontem", disse eu para minha filha, ao que ela me respondeu que também o vira, mas não chegara a ler os dizeres do cartaz.

Certamente, a correria dos dias que antecederam o Natal nos engolira e não havíamos nos dado conta de nossa desatenção com aquele homem em busca de ajuda.

Pois bem, finalmente havia chegado nossa hora de poder ler aquele cartaz, feito à mão, que dizia algo como: "Meu nome é Jaime, vim do Rio Grande do Sul, em busca de uma nova vida... preciso de ajuda para comprar um 'cooler' para vender água e assim começar a trabalhar".

Paramos e iniciamos uma conversa. Perguntei qual era o seu nome. "Jaime".

Indaguei-o sobre o que ele precisava exatamente... ele disse que não queria tomar nosso tempo, mas o que pudéssemos dar seria de grande ajuda. E começou a nos contar um pouco de sua história, inicialmente pela forma como tinha chegado até aqui.

Disse que caminhou e pediu caronas por quarenta e quatro dias até chegar na cidade vizinha à nossa, um conhecido e badalado balneário. Chegando lá e usando um cartaz parecido, conheceu um empresário que lhe comprou um 'cooler' e algumas garrafas de água.

Contou que o tal empresário havia passado pelas mesmas dificuldades que ele, trinta anos atrás, e que isso certamente o sensibilizou, pois reconheceu sua própria história em Jaime.

Mas a alegria por toda aquela ajuda durou apenas uma manhã: ao vender água no semáforo perto da praia, acabou tendo seu resfriador e garrafas de água tomados pela fiscalização daquele município.

Nesse momento, resolvemos entrar no supermercado para comprar um almoço para Jaime, além de sacar algum dinheiro para ajudar na compra do 'cooler'.

De volta com o almoço e uma "coquinha geladinha", entregamos o dinheiro e continuamos ali a ouvir a história.

Com os olhos marejados pela nossa singela ajuda, ele nos contou que estava dormindo na rua, mas que uma assistente social havia conversado com ele, prometendo ajudá-lo a conseguir autorização para vender garrafas de água no semáforo.

Seguindo com sua história, Jaime nos relatou que pouco tempo atrás sua mãe faleceu de câncer, acontecendo com sua família o que ocorre em tantas outras: a morte do ente querido desuniu os que ficaram.

Passaram a brigar pelos poucos bens materiais deixados pela mãe, e Jaime, que participara dos cuidados dela em seus derradeiros dias, percebeu-se não mais reconhecendo seus próprios irmãos, que só pensavam em carros e casas.

Foi assim que Jaime largou tudo e veio em busca de novos dias, longe de casa. A bicicleta que ele tinha lhe fora furtada, enquanto dormia em uma rodoviária, já nos primeiros momentos da trajetória que faria, em que viveria de peixe e caminhadas.

Houve um dia de seu caminho até aqui, em que pediu para uma moça comprar comida para ele. Mal ele acreditou que ela se sentou com ele na mesma mesa, dizendo-lhe que tudo estava reservado para ele quando ele chegasse ao seu destino.

Essas palavras de uma mulher desconhecida lhe caíram como sopros dos anjos em seus ouvidos: acreditava que sua mãe a enviara para lhe confortar o coração.

Nossos olhos estavam vertendo lágrimas com todos os pesares deste homem aflito. Enquanto ele nos relatava seus fardos e conquistas, de repente, um verdadeiro milagre aconteceu diante de nós.

Primeiro, um homem parou com o carro e lhe deu uma nota de valor alto em dinheiro, mas não só. Também sorriu.

Em menos de um minuto, chegou um senhor com um "cooler", dizendo: " tenho dois desses em casa, minha esposa me pediu para lhe trazer um, porque ela leu o seu cartaz".

Eu e minha filha nos olhamos, incrédulas, como estamos todos hoje em dia nesses tempos de pandemia e de falta de empatia com os outros.

Mas o universo, os anjos, enfim, as divindades todas, não estavam satisfeitos.

Uma senhorinha saiu do supermercado e lhe entregou um "cooler", que havia acabado de comprar. E lhe questionou: "você gostaria de fazer uns 'bicos' para mim? Preciso de alguém para trabalhar com instalação de ar condicionado". Jaime respondeu, mais do que prontamente: claro que sim! E ela perguntou se ele tinha onde ficar, enfim, dormir, ao que Jaime contou estar dormindo na rua.

Percebemos que a senhora passou a falar com alguém no celular, procurando uma solução. O casal do primeiro "cooler" havia retornado, avisando que ira comprar garrafinhas de água para ele.

Jaime nos disse que nossa energia atraiu todos aqueles movimentos e nós lhe devolvemos os merecimentos, dizendo: “não, já estava tudo aqui esperando o momento certo de acontecer, tal como previra aquela moça da viagem”.

Todos os méritos eram de Jaime.

Ele nos agradeceu, dizendo que ajudar os outros com o coração é diferente de fazer isso com pena ou culpa. E que queria, algum dia, nos reencontrar para que comprássemos as garrafinhas de água dele em algum semáforo da vida.

Ficamos inquietas, tentando entender tudo o que aconteceu. Se havia sido o espírito natalino, os anjos ou deuses, pouco importava: voltamos para a nossa casa acreditando novamente na humanidade.

E felizes pela oportunidade de presenciar o recomeço da vida de Jaime.

Aru Lapolli
Enviado por Aru Lapolli em 24/12/2020
Reeditado em 25/12/2020
Código do texto: T7143350
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