Passou!
21/12/2020
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Assistia à sua formação da janela do meu quarto. Visão panorâmica de toda a praia. Ela se encaminhava célere, ameaçadora e negra; tenebrosa.
As nuvens densas iam se acumulando junto ao horizonte, deixando tênue a sua linha, pois parecia uma coisa só: um pano de água em quantidade, cinza quase negro e carrancudo.
Voltando para a esquerda, via-se ainda a divisão entre o mar e o céu, este mais claro; o mar mais escuro. A tempestade se armava; comum aqui, pois o clima de alto mar tem seus dias de bom e mau humor: estamos a cerca de trinta quilômetros do continente, mudando frequente e inesperadamente.
O mar encapelado começava a fazer “carneirinhos”, curtas ondas que quebravam pelo vento constante, parecendo estar todo ele arranhado. Sinal de ventania forte, pois o dia escurecia, mostrando que seria uma enorme borrasca. As árvores balouçavam ora forte, ora fraco, como que agoniadas pelo porvir. Os pássaros se entocavam, mau prenúncio!
O vento começou a zunir mais forte pelas frestas da casa, um assobio que ia do agudo ao grave, prenunciando a sua potência. Vergavam, desfolhavam, galhos desprendiam desnudando as árvores e os arbustos. Os telhados ainda aguentavam, os fios dos postes de luz balançavam. Sacos plásticos subiam no redemoinho, em balé instável. Nuvens escuras e baixas, quase ao meu alcance, passavam em alta velocidade como que apostando corrida.
Apreciava a beleza bruta desenvolvendo-se à minha frente, em pé junto ao janelão do quarto, aberto ainda, como uma enorme tela. Um espetáculo de força e intensidade da natureza, indomável e bela.
Fechei o janelão pelo aumento da ventania, aguardando o que iria descortinar em breve: um espectador privilegiado.
-Vai ser forte essa tempestade!
As nuvens recrudesceram na sua densidade, pesadas, escuras quase negras, e uma cortina de água desabava no horizonte. Ainda não chovia onde eu estava; poucos pingos caiam, como um spray, resultante da tromba d’água ao longe.
-Começou lá.
O vento cantava, as nuvens corriam céleres à minha frente, as arvores descabelavam, e a chuva não caia. Não havia relâmpagos, trovões. Estavam quietos.
O dia, que começara ameaçador e escuro, quase noite, ia clareando. O vento forte carreava as nuvens bravas, expulsava-as para outro lugar. Nenhuma gota caíra ainda; seguia somente a fina garoa.
-Será que vai passar a tempestade?
O cenário foi se mantendo, as nuvens corriam, o dia clareava, o mar acalmava, os pássaros voavam, as árvores se recompunham e os fios dos postes se aquietavam; a tempestade passava. Não choveu!
Valeu a pena assistir ao espetáculo que passou.
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