Contos Sertanejos - Duelo
No sítio do meu avô em Aramari podia-se encontrar uma variedade de plantas e frutas (laranja, jaca, goiaba, limão, caju, manga, jabuticaba, sapoti, etc.) eram muitas. Além das plantações temporárias (mandioca, milho e feijão).
No período em que morei com ele e minha avó, sempre o ajudava com meu irmão na “lida” da roça. Não era acostumado, mas com o tempo conseguimos se acostumar e fui aprendendo as tarefas do dia a dia.
Nós trabalhávamos pela manhã e à tarde às vezes. Mas o melhor horário era pela manhã, pois o sol estava frio - assim dizia meu avô – além do mais meu avô sempre contava suas histórias quando íamos trabalhando, um modo de passar o tempo e entreter eu e meu irmão.
Quando fomos capinar as laranjeiras no início da primavera, tempo bom para trabalhar na roça, já que a temperatura do dia fica amena e venta bastante. Começamos por volta das seis horas, quando havíamos capinado onze pés de laranja, estávamos aquele tempo todo num silêncio absurdo, de repente, meu avô parou para descansar por alguns minutos, logo paramos também eu e meu irmão.
O vizinho estava no brejo procurando o rastro da paca que estava destruindo a sua plantação de milho, dado instante ele deu um tiro com a espingarda de socar.
Ao escutar o tiro meu avô disse:
- Bom tiro! Será que Arnaldo matou a paca?
Meu irmão logo o respondeu:
- Matou nada, só foi para testar a espingarda.
A partir daí, retomamos nossa atividade e meu avô começou a contar sua história dos “acaba festas”.
Essa história todo mundo da região conhecia era uma história de quando meu avô era jovem com os seus vinte e um anos. A época em que sua história, se passará foi das vaquejadas durante o dia e a resenha a noite nas vendas.
Aquele tiro dado pelo vizinho vez com que meu avô lembrasse de suas façanhas de vaqueiro. Muitos vaqueiros da região eram tirados a cavalo do cão, pois qualquer discussão era motivo para briga e como todos andavam armados com facão ou garrunchas. Nas brigas alguém sempre saia cortado ou baleado, mas o pior não era isso. Era manter a fama que possuía e fazer sempre o possível para ganhar as brigas. Já que ganhar significava respeito, ou melhor, ser temido na região.
Meu avô fazia parte deste seleto grupo, entretanto sua habilidade era sensacional em ambos as armas, mas sua preferência era o facão.
Esses vaqueiros traziam em seu sangue traços do cangaço, devido, as influências da região, das histórias que seus pais contavam, a vida no sertão e a caatinga.
Quando havíamos capinado vinte e cinco pés de laranja paramos por alguns minutinhos na sombra do sapotizeiro. Naquele momento meu avô dará início a sua história, os fatos relatados por ele era como estivesse vendo aquilo naquele instante.
- Sabe, quando eu tinha meus vinte e um anos sempre vaquejava e nosso melhor amigo era sempre um facão ou uma arma na cintura. Naquela época havia briga de facão nas vendas e por causa disso os donos fechavam cedo.
O que meu avô estava contando eu já sabia pela boca dos vizinhos que viveram aquela época. Na verdade, meu avô tinha fama de um dos melhores brigadores que não levava desaforo para casa.
Ao continuar a trabalharmos ele dera continuidade a sua história.
- Teve uma vez em que fui à venda de Zé Grande perto da casa de Maria Benta, cheguei lá... estava a pé, entrei na venda e lá estavam os valentões da Mirim – Fagulha, João Martin, Zé de Chico - e outros que não eram de briga, olharam para mim, olhei para eles, fui até o balcão pedir uma dose de saborosa, Zé Grande deixou a garrafa ao lado do meu copo.
Fiquei ali tomando minha bebida, daí chegou meu amigo Carlos. Quando ele entrou saudou a todos.
- Boa tarde! Boa tarde! Boa tarde!
Em coro todos responderam:
- Boa tarde!
- Boa tarde, Zé Grande.
- Boa tarde, Carlos.
- Bota uma saborosa pra mim!
- Pra já Carlos!
- Olha quem "tá" aqui e não tinha visto. Tudo bem Neco? – esse era um dos dois apelidos do meu avô. Este apelido era usado pelos seus familiares e amigos. Já o outro apelido era na verdade um apelido característico do cangaço, devido suas façanhas na briga e como deixava o local no término desta. Então, o pessoal começou a chamá-lo de “Bagaceira”.
- Tudo ótimo Carlos.
- Ainda "tá" bom no facão?
- Ele tá aqui na cintura.
Meu avô era modesto, mas realmente ele manejava o facão como se fosse uma espada e nunca tinha visto uma espada na vida. Assim como meu avô os demais homens daquela época era uma espécie de samurai da caatinga.
- Na mesa onde estavam João Martin, Fagulha e Zé de Chico próximo de uma janela, eles escutaram o que Carlos tinha dito sobre mim, logo Fagulha diz:
- Que nada! Bom de facão sou eu.
Já os outros dois diziam a mesma coisa.
- Que tu! Sou eu.
- Tá vendo este “Tramontina” na minha cintura e para bater nos descarados e deixa o nome gravado nas costas – dizia Fagulha.
Os brigões da época tratavam os facões pelo nome de seus fabricantes que na verdade eram basicamente dois: Tramontina e Corneta, ambas as marcas eram e são até hoje as marcas mais usadas.
- Não me importei com que eles diziam, apenas continuei bebendo e conversando com Carlos. Mas eles faziam de tudo para chamar minha atenção, quando estava enchendo o copo de Carlos, Fagulha começou a dizer impropérios sobre o pessoal da Subaúma ali não aguentei, peguei e arremessei a garrafa nele só que ele abaixou rapidamente e a garrafa passou pela janela e caiu lá fora.
Neste instante quem estava na venda começou a corre, logo falei para Carlos ir embora, pois não queria ele envolvido naquela confusão. João Martin era o mais medroso, assim que tirei meu Corneta da bainha ele correu pulando toda cerca que havia pela frente. Zé de Chico e Fagulha saíram lá pra fora, Zé Grande começou a fechar a sua venda, com medo esqueceu até de cobrar as bebidas.
Na estrada estavam eu, Fagulha e Zé de Chico cada um com seu facão na mão. Zé de Chico veio pra cima de mim, rapidamente dei-lhe umas panadas – parte lateral do facão - em suas costelas, pois não queria cortar ninguém. Mas Fagulha certamente queria mim cortar.
Zé de Chico começou a gritar de dor, Fagulha vendo a cena não pensou duas vezes largou o facão e saiu correndo, comecei a correr atrás dele, nesse meio tempo o acompanhei em frente à casa de Maria Benta. Lasquei o facão nele, mas cortou somente sua camisa, o pavor tomou conta dele e só si ouvia gritos.
Dona Benta vendo a situação, disse escandalosamente:
- Vão brigar na frente da casa do cão.
Neste momento nós já havíamos capinado trinta e dois dos quarenta pés de laranjeiras que deveriam ser capinados, mas só sei que nessa hora eu e meu irmão caímos na gargalhada pelo modo em que Maria Benta reagiu.
Meu avô prosseguiu com sua história.
- Quando Maria Benta disse aquilo olhei rápido, com isso Fagulha aproveitou para fugir, porém corri atrás para pegá-lo. Sem ter para onde correr Fagulha se jogou no matou do Finado Jovêncio. Não havia cipó, maliça e macambira que Fagulha não cortasse nos peito. Quando cheguei ao local, onde ele havia entrado sair cortando tudo com o facão. Ao chegar perto dele o achei ajoelhado todo rasgado e sangrando por causa da maliça e da macambira.
Fiz intenção de cortá-lo, mas ele rogou por Nossa Senhora e só por causa disso não o cortei. Entretanto, disse:
- Nunca mais fale mal do pessoal ou do local onde eu moro. Quem te salvou foi Nossa Senhora, mas da próxima vez não haverá próxima vez.
Sair e o deixei lá dentro do mato. Carlos não tinha ido embora, ele havia se escondido atrás da mangueira e ficou apenas observando. Segundo, ele ficou ali no caso de eu precisar de ajuda.
Fomos embora dali, descemos para a venda na Conceição como nada estivesse acontecido.
No outro dia, não se falava de outra coisa na Mirim, na verdade em toda a região.
Quando meu avô terminou sou história faltava apenas três laranjeiras para acabarmos o trabalho, assim que terminamos fomos para casa, cansados, porém foi uma manhã muito divertida que guardaremos para sempre.