Contos Sertanejos - Velhos tempos
A cada dia em que ia à casa de meu avô Denésio, ele tinha mais uma de suas histórias para me contar, algo que apreciava muito, por esse motivo que sempre ia lá até três vezes por semana.
Minha mãe achava que eu ia até lá apenas para “zanzar”, mais havia outra explicação para eu está sempre com meu avô: suas histórias. Acho que foi isto que mim motivou a fazer faculdade de História, ou melhor, foi isso mesmo. Conhecer as coisas, os tempos e como era outrora. E nada melhor para conhecer e compreender a história do que por meio de pessoas mais velhas, principalmente nossos avôs. A história oral é uma ótima ferramenta, na verdade é uma história viva.
A história que meu avô mim contara desta vez foi..., não sei bem a data ao certo, mas sei que foi no ano de 2004, quando caia uma tempestade e como não havia energia, era noite e meu avô começou a contar como era sua infância, por volta de 1943, como era a sociedade da época, ou melhor, a vida sofrida em que a sociedade rural nordestina estava marcada. Meu avô começou a relatar à época assim...
- Aqui onde estamos hoje, outrora era uma verdadeira mata cheia de pinheiros, candeias, murici-de-galinha e outros paus bravos – caatinga – os eucaliptos não existiam pelos arredores, havia poucas fazendas, sítios e roças com algumas cabeças de gado, uns cavalos, burros, galinhas, perus e galinhas-d’angola. As plantações eram apenas mandioca e fumo, as laranjeiras só apareceram aqui depois de muito tempo. O fumo e a mandioca eram o que sustentavam às famílias com sua venda. No entanto, nós plantávamos milho e feijão nos brejos no inverno.
O modo de vida da época era bem humilde das famílias. A profissão que dava algum dinheiro era a de vaqueiro.
Nossas casas eram de pau-a-pique, dormíamos em uma esteira no chão batido. Nas noites de inverno de muito frio acendíamos a fogueira dentro de casa na sala para nos aquecer e assávamos milho.
Quando completei meus 15 anos comecei a vaquejar com meu irmão mais velho Eloi e meu amigo Carlos que depois de uns nove anos viramos compadres.
Depois de contar este breve resumo da época, meu avô parou por uns dois minutos e fechou os olhos. Fiquei sentado ao seu lado imaginando; as lembranças de sua época são verdadeiras relíquias. Lembrar e contar esses fatos deve esta o deixando emocionado.
De repente, ele abriu os olhos e enxugou uma lágrima que escorria em seu olho direito e continuou a contar a sua história de como virou vaqueiro e domador de animais (cavalos e burros).
- Eu mim lembro como hoje do meu primeiro burro sempre gostei mais de burro do que cavalos.
- Perguntei, por quê?
- O burro é mais resistente e aguenta os “trancos” do mato, nos lugares cheios de garranchos e espinhos – assim respondeu ele bem firme.
A partir daí, entendi a sua preferência, e ele retomou a sua conversa sobre seu primeiro animal – o burro.
- Comprei meu primeiro animal com o dinheiro que ganhei com a venda da farinha de mandioca e fumo da minha pequena roça e dos dias que ganhei nas roças do pessoal da Conceição (município da cidade de Alagoinhas). O burro não foi muito caro, pois era bravo, custou 150 cruzeiros. Com este burro comecei a vaqueja pela região e depois comecei a viajar para outras cidades, levando os rebanhos dos fazendeiros do Inhambupe, Sátiro Dias e Ouriçangas.
Após escutar este relato fiquei pensando e refletindo intimamente.
- Viajar sobre o lombo de um cavalo ou burro, conhecer outros lugares e paisagens deve ser muito bom e prazeroso.
Depois dessa reflexão íntima, resolvi perguntar ao meu avô se ele gostava de seu trabalho.
Com um sorriso disfarçado respondeu – Adorava muito vaqueja andar pelo mundo, fui vaqueiro por uns 15 anos até que me casei e parei de viajar para longe. Mas, o tempo que vaquejava era bom demais, corre e pegar boi no meio do mato era uma diversão para nós.
Lembro de uma vez em que eu, Loio – apelido de seu irmão Eloi – e Carlos estávamos levando um rebanho, entorno de cinquenta e duas vacas, e perto do Pivô, quando uma destas desgarrou do rebanho e embrenhou-se no mato. Eu e Carlos fomos atrás dela, enquanto Loio ficou com o restante das vacas e seguiu caminho em frente.
Quando estávamos indo atrás da vaca apostamos um com o outro uma garrafa de saborosa – bebida alcoólica muito famosa na época – para quem achasse a vaca primeiro. Ao chegar à vareda em que a vaca tinha entrado deparamos com uma casa de italiana (abelha), não tínhamos como entrar. Além das “italianas”, o lugar era cheio de unha de gato – espécie de cipó com espinhos.
Meu amigo deu a volta pelo outro lado, eu fiquei e andei entorno de vinte e cinco metros do local onde a vaca tinha entrado e achei outra vareda, então entrei mais esta acabava a uns quinze metros. Parei e fiquei pensando por uns três minutos em voltar ou seguir em frente, mas quando veio à lembrança da aposta, meti as esporas no burro e segui em frente, o burro dava cada pulo no meio das unhas de gato que tinha que me segurar bem firme.
Aquela conversa mim deixava ansioso com o desfecho da história e frustrado com a situação em que meu avô e o burro se encontravam. Então, me pus a perguntar: e os espinhos não perfuravam o burro e o senhor?
- Um pouco, apesar de possuir espinhos, eu e o burro andávamos vestidos com roupas de couro – assim respondeu meu avô.
Mesmo com as roupas de couro sempre os cipós da unha de gato enganchavam em nós, mas com o facão que andava na bainha na cintura cortava os cipós e ia abrindo caminho.
De repente, vi o mato se mexe, fui devagar pensando ser a vaca, logo em seguida um animal deu um pulo em minha frente, eu imediatamente, segurei as rédeas bem firmes, pois o burro podia empinar, o animal que tinha me deparado era um veado.
- Comecei a dar risada do fato que meu avô contava e perguntei – e seu amigo, por onde andava?
- Meu avô respondeu – Ah! Carlos ficava sempre nas beiradas do mato, nunca passava de cinco metros do caminho, ele não gostava muito de se embrenhar no mato fechado, na verdade ele usava essa estratégia esperando eu entrar e a vaca sair do lado dele e como estava próximo da estrada ficava fácil para Carlos a laçar.
- E o senhor não ficava irritado com ele pelo que o mesmo fazia?
- Não, porque eu entrava no mato sempre em silêncio, enquanto ele começava a aboiar, nisso a vaca vinham para minha direção.
Com isso meu avô mostrava ser mais astuto do que seu amigo Carlos. Neste momento, lá fora a chuva cessava. E aqui dentro meu avô terminava sua história.
- Quando achei a vaca na vareda disparei cortando o mato nos peito do burro, ao me ver ela correu na direção de Carlos, mas como ele estava aboiando a vaca deu meia volta. Para não ficar atrás Carlos que não gostava de entrar no mato fechado entrou para pegá-la.
Porém, eu já estava na direção em que vaca tinha tomado, preparei o laço e me escondi numa vareda à esquerda deixei a vaca passar meio metro e a lacei, rapidamente amarrei no cabeçote da sela e segurei firmemente. Depois a levei para fora do mato.
Enquanto isso esperei Carlos sair do mato, ao chegar disse indiretamente – não vejo à hora de chegar na venda da Conceição para tomar a minha garrafa de saborosa.
Carlos ficou zangado por ter perdido a aposta, mesmo assim ele perguntou como tinha conseguido laçar a vaca dentro daquele mato cheio de cipó e espinho. Respondi rindo – Foi fácil quando entrei e comecei a roçar uma pequena área de mato com o facão e foi em outra direção cercando a vaca, na verdade foi levando ela até o local em que rocei, armei uma armadilha para ela. Mas, não se preocupe você mim ajudou bastante aboiando.
Caminhamos umas quatro léguas, na verdade corremos até acompanharmos Loio com o restante da boiada. Ao chegarmos, reduzimos o passo e soltei a vaca do laço e coloquei um chocalho.
No crepúsculo chegamos ao nosso destino entregamos a boiada ao senhor Jorge Moreira e fomos para casa, mas no caminho paramos na venda na Conceição e Carlos pagou a garrafa de bebida que havia perdido. Bebemos, eu, ele e Loio e comemoramos mais um fim de uma jornada e cada um seguiu seu rumo.
Ali terminava mais uma história fantástica de meu avô e neste momento a energia voltará e o relógio na parede tocava oito horas, como estamos cansados fomos dormir.