A Moeda e o Cachorro
83
O inusitado sempre, ou quase sempre, se repete ao longo de nossas vidas. Acontece a todos, para alguns mais, para outros menos. Coincidência? Talvez.
Encontro frequentemente moedas em lugares inesperados e imprevisíveis. Contato com animais, principalmente cães desconhecidos, também.
E não foi diferente nesse dia:
Fui à praia aproveitando que a chuva torrencial do dia anterior, que durou todo ele, deixando-me preso literalmente em casa, passara. Um sol tímido saindo e espantando a neblina forte, que como um véu, impedia a visão de nada, me fez sair da toca. Aqui, no extremo nordeste da ilha, alto mar, onde o clima que já é incerto, o é muito mais, pois muda a cada minuto, me fez ir dar essa caminhada, pois estamos em pleno inverno, sendo típica essa situação climática.
Caminhei, como de costume através da grande duna, até a praia. Subi nela e de lá avistei o forte mar em ressaca, retumbando a cada onda estourada. O sol ameno, o vento nordeste fraco, eram condições plenas para uma caminhada de "limpeza da cabeça" na areia . Fui até o extremo sul da praia, sentindo sua maciez e carinho na planta dos pés. As gaivotas voavam rasante, e coordenadas, ao longo do estourar das ondas com suas grandes cabeleiras de vapor de água se elevando ao céu a cada quebrar. Linda vista e companhia.
Voltei com o vento contra, leve, zunindo nos ouvidos. Chego ao sopé da duna em que sempre subo para o caminho de retorno. O ventar constante faz com que apareça o que estava escondido sob o manto de areia: muito lixo, plástico de todos os tipos e cores.
Parei para colocar o casaco e vi, bem aos meus pés, um metal oxidado e opaco enterrado na areia, ou meio descoberto, que me parecia uma moeda. Com o dedão do pé mexi nele. Era uma moeda sim!
Incrível, estava ela ali me esperando há algum tempo, ou esperando alguém que a descobrisse. Muita coincidência. Fiquei feliz, pois há muito que não encontrava moedas dessa forma inesperada e inusitada. Peguei-a, era de cinco centavos, toda enferrujada, sem cor. Guardei-a na carteira, pois como dizia meu pai... "dinheiro não aceita desaforo".
Segui subindo a duna e sentei-me em tronco calcinado, ali a minha espera também, para ser meu banco; feliz com meu dia "ganho" com a moedinha no bolso, parecendo uma criança. Fiquei apreciando o mar ressacado, forte, violento e agressivo, indomável: uma beleza de força e poder.
Poucas pessoas caminhavam na areia, vinha um casal e um cão acompanhava-os de longe, mais atrás, com andar titubeante e devagar, com o abanar do seu rabo contido. O perfeito cão sem dono, um belo espécime de "vira lata". Bonito ele. Foi diminuindo seu passo, o casal se distanciava e ele ficava. Então, do nada, virou-se para o meu lado e me cheirou de lá, vindo em minha direção, com aquele olhar meigo e sorridente.
Lá vem o "pulguento" querendo companhia - disse para mim.
Deitou-se ao meu lado, imponente. Parecia um lorde, em sua pose de esfinge. Conversamos um pouco; me ouvia - suas orelhas abaixavam quando lhe dirigia a palavra, parecendo concordar comigo. Em dado momento começou a coçar as patas e rabo, as pulgas o atacavam. Ele freneticamente e com firmeza roncava com o prazer do coçar e mordiscar . Nossa conversa continuava, ele parava sua briga, me olhava e ouvia atento, encarando-me. Entendíamo-nos bem. Ficamos assim: ele ali com sua coçada; eu com meu horizonte bruto e lindo, moedinha no bolso, felizes!
Despedi-me do "pulguento"; ele desceu para a areia da praia a procura de novos companheiros, eu voltei para minha casa. Mas é provável que o reencontre , mas moedas, quem sabe....
Inusitado, não?
Meu primeiro livro de contos em pré-venda, seu link:
https://www.eviseu.com/pt/livros/1628/vim-vi-gostei/