A Lagosta - Aranha
15/12/2020
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Estávamos passando um Natal na casa de praia da família da mãe dos meus filhos, no litoral norte do estado de São Paulo. Os dois meninos eram pequenos, com seis e sete anos respectivamente, e gostavam de água como eu. Por isso, dei-lhes de presente um conjunto de mergulho: pés de pato, uma mascara e snorkel, aquele cano de respirar quando se está com a cabeça dentro da agua. Eles adoraram, e loucos para irem ao mar com o presente no dia seguinte.
Mergulharíamos ao longo das pedras e no mar, em busca de um molusco que vive em bonita concha, depositados no leito de areia, um tipo de caramujo de uma garra só. Aprendemos a comê-los através de um senhor espanhol, morador no nosso condomínio e avô de amiguinho dos meninos, que nos ensinou como fazer. Não me lembro do nome do caramujo, mas seu gosto era bom, apesar do trabalho que dava, pois tínhamos que retirá-los da concha depois de cozidos e tirar-lhes os intestinos, sobrando uma carne tenra e firme, como a de polvo, mas de gosto parecido com marisco. Comíamos com molho a vinagrete, muito bom e diferente.
Os meninos adoravam pegá-los, uma grande aventura submarina, mesmo sem os apetrechos de mergulho, que agora lhes dera. Iam comigo e viam os caramujos deitados na areia, mergulhavam, desciam entre um metro e meio a dois metros e os pegavam. Eu acompanhava mergulhando junto por precaução.
Dia seguinte, fomos cedinho à praia, animadíssimos para inaugurarem seus equipamentos de mergulho. Antes, passei-lhes protetor solar; era uma briga, pois excitados que estavam, queriam entrar logo depois que lhes untei o corpo todo. Disse-lhes para aguardarem um pouco.
Passado o tempo de secar o creme, fomos os três já vestindo os pés de pato, mascaras e o cano respirador, como dois patinhos e um patão. Entramos no mar calmo e quase sem ondas, quase uma piscina de agua azul límpida.
Começaram a nadar rápido, com a cabeça na agua, respirando pelo tubo preso nas mascaras, olhando fixamente o leito de areia do mar, procurando os moluscos. Seguia-os atrás.
Nadamos cerca de cinquenta metros da orla, com o mar já com cerca de dois metros de profundidade, começando a aparecer as nossas iguarias, a agua estava cristalina, via-se tudo e com profundidade.
Iniciaram os mergulhos: respiravam pelo cano, seguravam o ar e em seguida, como fazem as focas, vergavam seus corpos para o fundo, descendo até as conchas, pegando-as e subindo de volta onde eu estava, com um saco de mergulho, colocando-as dentro. Havia lhes ensinado a respiração pelo tubo para mergulharem, que aprenderam rapidamente.
Era bonito ver os dois moleques, descendo e subindo, mas era esforço pesado para eles, principalmente para o mais novo, se cansava mais fácil. Eu desci então e coletei mais alguns caramujos. Decidimos voltar para a praia, estavam animados e cansados pela tarefa.
-Pai, foi muito legal essa pesca dos caramujos, não foi? Com pé de pato, mascara e o respirador, é moleza né? – comenta o mais velho.
- Não foi? Gostaram do presente?
-Sim, muito legal! Agora a gente pode nadar no mar sem se preocupar, né! – fala o mais novo.
Descansamos. Então, perguntaram:
-Vamos mergulhar lá nas pedras pai, deve ter muito peixe pra gente ver, não?
- Vamos!
Caminhamos pela areia até o canto lateral da enseada, o costão de pedras, distante cerca de duzentos metros de onde estávamos.
Entramos novamente na agua, nadando devagar, olhando o que havia nas pedras. O mais velho, saiu na frente nadando rápido; o menor ficou comigo.
A fauna não era muito rica, mas vimos peixes pequenos e coloridos, alguns siris, caranguejos, peixes um pouco maiores, algas, mariscos, visão que nos alegrava. Ao ver algo interessante, tocava o menor ao meu lado e lhe apontava o que achara, ele olhava e fazia o sinal de positivo. Parecia que éramos mergulhadores profissionais. Lembrei-me de um seriado na televisão nos anos sessenta, de nome Aventura Submarina com Mike Nelson como mergulhador.
À nossa frente seguia o mais velho explorando o mar, ora mergulhava e nadava um período junto ao fundo, via suas pernas alongadas pelos pés de pato batendo compassadamente, ora na superfície, perscrutando o fundo. Parecia um peixe!
Seguimos assim por um tempo, nadamos cerca de trezentos metros. O mais velho virou-se e nos disse:
-Vamos voltar? Estou com sede!
-Sim, vamos. – concordei.
Voltamos para a praia. O mais velho como sempre, saiu em disparada, acelerado pelo pé de pato. Nós dois seguimos explorando as pedras.
Nadávamos devagar. O mais novo estava alguns metros à minha frente, cabeça na água, quando a tirou e me chamou de chofre e espantado:
-Pai, olha o que eu achei, uma aranha d’água vem ver! – excitado.
Fui até ele e mergulhamos. Apontou-me, e vi entre as pedras, entocada, uma lagosta. Voltamos à superfície.
-É uma lagosta filho!
-Lagosta? É boa de comer né pai? Mais parece uma aranha!
Submergimos novamente e a vimos imponente no seu vermelho forte, com suas antenas longas balançando na entrada da sua toca; mas, era pequena. Tentamos pegá-la com o saco dos caramujos que eu levava; esperta, ela se entocava. Emergimos.
- Vai se difícil de pegá-la sem uma fisga, pois é pequena, deve ser filhote ainda, e se esconde fundo na sua toca.
-Pai, melhor deixar ela ai.
-Sim querido, não vale a pena.
-Pelo menos achei uma lagosta né pai! E vai ser uma judiação a gente tentar fisgar ela. Vai sofrer né pai, pode até matar ela!
-Sim filho. Muito bacana a sua atitude querido. Vamos tomar um sorvete?
-Vamos!
Voltamos à praia, nadando da mesma forma, vendo o que tinha o mar a nos mostrar.
Deixamos a aranha-lagosta sossegada, crescer.
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