A concha e o mar
16.06.2018
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Menino pequeno nunca vira o mar e a praia. Seus pais o levaram para conhecer a praia e o mar. Criança alegre e curiosa, ao vê-los, exclamou exultante e espantado com o que via:
- Nossa como ele é grande! De onde vem tanta água, pai?
Pisou na areia fofa e macia, clarinha, gostosa de sentir nos seus pezinhos.
- Que delicia, é quentinha! Carinhosa, faz cócegas no meu pé. De onde vem tanta areia, pai?
Olhou para o oceano em seu azul anil , imponente e grandioso, com ondas magníficas quebrando estrondosamente. Ficou com medo!
- Pai, ele vai me engolir? É bonita a espuma branca, parece de algodão.
Mas sua curiosidade e vontade de pisar nele, ali no rasinho , o fez enfrentar o receio infantil do desconhecido, pois tudo era novo para o menino. Estava maravilhado!
Chegou à borda do mar, com a água quase sumindo, e pisou em sua língua.
- Ah que delícia, é morninha!
Pôs na boca:
- Salgada, pai! De onde vem tanto sal para deixar ela salgada?
Foi entrando com cuidado, veio ondinha pequena que o lambeu, molhando-o um pouco mais nos tornozelos; ele gostou e sorriu de alegria.
- Gostosa, pai, a aguinha salgada. Pode tomar? Dá dor de barriga?
Vencido pelo carisma e magnetismo do oceano, e atraído, caminhou mais ao fundo até a altura da barriguinha. Onda veio e lhe molhou todo . Enfiou a cabeça na água de olhos fechados , que arderam pelo sal.
Estava maravilhado e se apaixonou pelo mar. Não queria mais sair d'água quentinha. As ondas vinham fracas ou fortes e ele se entregava, arrastado às cambalhotas, em pura diversão. Sorria de amor e alegria, que felicidade poder estar ali dentro daquele gigante carinhoso.
Viu peixinhos no seu fundo cristalino, nadando juntinhos sem direção. Tentou pegá-los com as mãozinhas, mas fugiam abanando seus rabinhos pequeninhos.
Então, algo branco e brilhante brilhou aos seus olhos, que com o vagar das ondas aparecia e sumia. Fixou o olhar e gritou:
- Pai, pai, vem ver o que é isso aqui? - apontando para aquilo desconhecido no fundo do mar, aflito e ansioso.
Veio o pai, se agachou e retirou da água uma grande concha branca , que na luz do sol quase ofuscava a visão. Linda! O menino ficou pasmo, estático; maravilhado!
- Qui'é isso pai? Que coisa bonita!
- Uma concha do mar, querido, e das grandes!
- Tem alguma coisa aí dentro, pai?
- Não, está vazia. Já teve.
- Quem "tava"? Um bicho?
- Sim, um bicho d'água, era a sua casa. Agora, ele deixou a concha e foi embora.
- Posso levar ela?
- Sim , claro querido.
O menino pegou com cuidado e carinho o seu achado e foi feliz para casa com ela - o prêmio que o mar lhe deu.
No banho de banheira, lavou-a com cuidado e paciência e colocou-a no seu criado-mudo ao lado da cama, um troféu e tanto. Ficou observando-a curioso. A cheirou: cheiro do mar; a lambeu: gosto salgado como o mar; a escutou: o marulho do mar! Dentro dela? Como?
Correu para a sala com ela nas mãos. O pai sentado, viu-o chegando esbaforido e com os olhos arregalados de questão:
- Pai, pai, escuta ela, o mar "tá" dentro dela! Como pode? E toda aquela água, cadê?
Sabedor da peculiaridade destas conchas, mas não querendo tirar o encanto da descoberta do pequenino, pegou-a e colocou-a no seu ouvido.
- Nossa filho, é mesmo!
- Mas como o mar entrou aí? E a água, não sai?
- O mar não está dentro dela querido. É o seu som que ficou preso depois que a tiramos d'água, e sempre vai escutá-lo nela, querido.
O garoto, de olhos esbugalhados, o encarou pensativo e disse:
- Então, em qualquer lugar sempre vou escutar ele?
- Sim, querido. É para não se esquecer dele.
- Puxa pai, que legal!
A vida seguiu, ele se tornou adulto, e relembrando deste fato, penso no mar dentro da concha . A concha? Perdeu-a ao longo dos anos. Mas, o inesquecível marulho do oceano de seus pequenos anos o acompanha até hoje.
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