Bonitão
09.06.2018
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- Ei bonitão? -chamei-o.
Estirado ao sol de inverno, aconchegado pelo calor, está ele largado e preguicento. Olha-me com vagareza e em lânguido acordar levanta, estica-se sorrindo - seu rabo assim o demonstra - vem em minha direção junto ao portão. Cheira e lambe minha mão carinhosamente.
Somos amigos já há algum tempo, eu e o bonitão. É um belo cão de corpo forte, patas robustas, pelo branco e curto com uma grande mancha caramelo em seu dorso, focinho e cara toda negra. Olhos meigos. Bonito mesmo, o bonitã.
Nos encontramos toda vez que vou à praia. Passo em frente a sua casa com um portão meio capenga e remendado, com todas as condições de fuga: tem espaços para que ele possa passar, pois está todo vazado. Eu paro para lhe dar um afago. Agora, está bem fechado, e não foge mais.
Eis como aconteceu:
Um dia, indo para a praia com minha esposa, passando ali no portão capenga, ele não estava, como sempre, deitado junto do portão. Achei que estivesse dentro da casa. Chegando à areia com toda a parafernália - guarda sol, cadeiras, "canga", etc., nos instalamos.
Sentei e comecei a escrever no meu caderninho de notas, cabisbaixo e concentrado. De repente, senti na mão um toque macio e úmido: era o bonitão, dando-me um cheiro molhado e amável com o focinho!
Minha esposa assustou-se ao vê-lo, impetuoso e decidido, cheirando e lambendo a minha mão - estava distraída ao meu lado deitada ao sol e não o reconhecera.
Fugira de casa para seguir com dois outros cães com seu dono, que iam longe dele passeando na areia. Veio exclusivamente me dar um cheiro de bom dia, o querido! Depois do cheiro, saiu em disparada em direção aos seus amigos bem à frente, sem olhar para trás, alegre, faceiro, exultante e feliz no seu correr alucinante e livre.
Sentado, observei-o indo na sua alegria pueril. Voltei aos meus escritos, lisonjeado pelo carinho e reconhecimento de amizade sincera que me dera.
Passamos um tempo de calor, de sol forte, de caminhada na areia, de banho de mar e da hora de voltar para casa, de desmontar nossas tralhas: guarda-sol, cadeira, "canga" e outras mais....
Então, vi novamente o bonitão de volta do seu passeio com seus amigos, perto e correndo na minha direção. Sorriamos felizes!
Acariciei-o com as mãos o seu corpão e cabeça forte, molhados. Ele fechava os olhos de gratidão, mas ansioso para voltar às brincadeiras e correrias com os amigos.
- Fugiu de casa contigo? - perguntei ao dono dos cães que chegara.
- Sim. Viu os meus, latiu e passou pelo vão do portão que está todo aberto e veio junto. Sempre faz isso! Já disse ao seu dono das suas escapadas. - respondeu.
- Somos amigos também. Sempre lhe dou carinho no portão, quando venho para a praia. Muito querido, é um meninão ainda. Qual seu nome, sabe? .
- Jab. O dono é lutador de artes marciais, por isso esse nome.
Eu o chamo : jab, jab. Voltou-se, deu-me um olhar de entendimento e de novo veio ao meu lado. Muito querido mesmo o jab, ou bonitão. Prefiro.
Seguimos para casa e no caminho, reencontramos com os cães e seu dono que passeavam junto com bonitão, mas sem ele.
- Ele passou por aqui? - nos perguntou.
- Não vimos. - respondi.
- Separou-se de nós lá atrás, correu para as dunas. Achei que estivesse voltando para casa, ele sabe o caminho de volta.
- Deve estar lá na praia ainda. Vamos voltar e chamá-lo.
Minha esposa seguiu para a duna; fiquei esperando que ele passasse por ali. Ela se posicionou no alto da duna, chamando-o, que apareceu alegre, correndo para ela que o acarinhou. Ele o viu, ou melhor, o cheirou de longe e veio desenfreado na sua direção!
- Eh bonitão, estava perdido heim! - segurando-o para que a esposa viesse também e seguissem os três para as suas casas.
Bonitão foi conosco, ora corria à frente, ora atrás, cheirando tudo, conhecendo novos aromas, texturas, extasiado com o mundo que lhe desabrochava. Como uma criança a descobrir a vida.
Chegamos ao seu portão em retalhos. O seu dono estava ali com o seu filhinho, que nos viu e sorriu:
- Ehehe... fugiu de novo, jab? Dando trabalho para as pessoas né!
Seu filho abraçou o cachorro, o dobro do pequeno no tamanho, mas como eram crianças, iguais nas suas brincadeiras: lambia o garoto com a sua língua grande e pastosa, transpirara nas suas corridas, dando-lhe um banho de saliva, fazendo o menino rir a gostosamente.
- Não, não dá trabalho não! Aliás, somos amigos. Sempre venho dar um carinho nele quando vou à praia. Ele é muito querido. Hoje estava na praia com dois cães com seu dono, que disse que te conhece. - lhe disse.
- Preciso arrumar o portão logo, ele passa fácil por ele e foge. Obrigado amigo! Bonitão já dentro no terreno da casa e com o menino lhe segurando o rabo, felizes.
Veremos se o dono fará o que prometera, mas, no fundo, gostaria que não, pois poderíamos nos reencontrar novamente na praia e curtir nossas liberdades infantis com as suas fugas.
Muito querido o bonitão. Jab não lhe cai bem!
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