O Fujão
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A chave estava na porta do apartamento pelo lado de fora; estranhei.
O inquilino estivera há dois dias no imóvel - as luzes no vidro do banheiro denunciaram sua presença. Desde então, não o vi mais. Costumava viajar a trabalho, ficava dias sem aparecer, voltando sempre. Desconfiei que algo ocorrera.
Tenho quitinetes para locação, são três, e esse locatário já estava causando algum incômodo, atrasava o pagamento, não pagava o total, enrolava. Comentei com minha esposa da minha suspeição.
- Ele fugiu! - disse ela convicta, ao saber do fato da chave na porta.
- Não vejo mais sua roupa na varanda. Fugiu com certeza! - completou ela.
De fato, sempre havia indícios de sua presença. Tinha seu sapato de trabalho todo pintado - era pintor de obras. Agora, só os pares na varanda. Será que fugiu?
Não achei que pudesse tomar essa atitude tão irresponsável, de moleque. Tínhamos conversado semanas atrás sobre a sua permanência no imóvel; comentara que a situação estava difícil, sem trabalho, mas nada sobre sair. Ingenuidade minha, será?
- Porque ele deixou a chave na porta pelo lado de fora, então? Ele fugiu! Entre lá e comprove. - continuava ela a me instigar para que acreditasse que era a situação, de fato.
Não pode ser! Apesar de suas justificativas, não me parecia ser ele pessoa dessa índole.
- Vou esperar mais uns dias, ele costuma viajar a trabalho e ficar fora, mas sempre volta. - disse para minha esposa, me consolando ou me enganando?
Devia-me um aluguel, cem reais faltantes do anterior e pagaria no dia seguinte ao seu sumiço; foi o que me prometera.
Não aguentei a ansiedade. Fui ao apartamento, coloquei a chave na fechadura e abri a porta.
Fiquei chocado com o que vi, um perfeito chiqueiro: comida velha, fedida, já com vermes sobre a mesa; panelas imundas sobre o fogão totalmente sujo, grosso de gordura com restos de comida grudada; geladeira ligada e aberta, gelo transbordando por toda ela; banheiro em situação que até animais não fariam tanta sujeira, enfim, uma coisa nojenta! Fiquei chocado e possesso. Brabo!
Após o choque inicial, busquei sinais de que não havia abandonado a casa. Nada tinha, fugira mesmo. Minha mulher estava certa!
Como prova de sua fuga, deixou o seu colchão de casal - não teria como levá-lo, pelo peso e tamanho.
- Filho da mãe! Moleque! Eu achando que era pessoa confiável! - me "xingando" pela credulidade nas pessoas. Fui muito ingênuo.
Joguei todas as suas coisas fora, no lixo, com muita raiva e braveza.
Dei banho em todo o apartamento com água sanitária.
Não havia mais o que fazer - só me conformar com o calote já dado pelo "fujão". Fato consumado.
Mas, faço sempre contrato de locação com "Anuente" - pessoa responsável pela locação em situações assim. Sua mãe, nesse caso.
Entrei em contato telefônico com ela, relatando o que seu filho tinha feito, agido e deixado.
- Não acredito! Não "criei ele assim"! Sou pessoa trabalhadora, honesta, pago minhas contas. - me respondeu.
Ficou de ver como poderá me ressarcir dos prejuízos - é "diarista", sem condições financeiras e econômicas para arcar com a molecagem do filho. Vou esperar seu retorno. E, que não seja dissimulada, pois agora desconfio até da minha sombra!
O que resta: seguir em frente, "juntar os cacos" do prejuízo e relocar novamente o imóvel, tentando evitar novo "fujão", ou "fugitivo.
E, minha esposa estava certa!
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