O velho fumante

Numa cidadezinha no meio da seca existia um velho senhor que passava o dia sentado em frente a sua casa, de arquitetura colonial amarela com alguns detalhes em branco, essas típicas casas coloniais do interior. Todo dia sentava num banco de madeira e segurava um cachimbo escuro que de vez em quando encostava na boca e bufava aquele fumo barato que perfumava o lugar, Ana era uma jovem universitária que morava ao lado do senhor, cresceu naquele fim de mundo e por sorte conseguiu iniciar a sua fuga dali a partir da vida universitária em uma cidade próxima mas ainda tinha que voltar aos finais de semana, férias ou feriados para sua terra natal esquecida pelo progresso.

Ana, que crescera observando aquela figura enrugada, se perguntava o que tal homem deveria ter feito durante a sua juventude para passar o resto da vida sentado fumando cachimbo enquanto observava o nada. Talvez ele fosse um antigo ladrão que enriqueceu com o crime e se aposentou ali naquele pacato lugar para viver sua vida em paz sem pagar pelo passado inglório, ou poderia ser um homem rico que perdeu todo seu dinheiro e com o pouco que ainda conseguiu guardar comprou aquele micro pedaço do mundo para viver e remoer seu remorso pela estupidez do passado, ele poderia ter sido qualquer coisa.

Aquela figura intrigante e misteriosa sempre tocou sua mente, o velho não estava simplesmente fumando e olhando para o nada, ele estava analisando, estava refletindo, ás vezes parecia que estava batalhando consigo e todo fim do dia expressava um rosto que poderia significar a vitória ou derrota da sua sensatez perante os malefícios da vida. Aquele senhor de rosto enrugado, cabelo curto, que vestia camisa e calça social com sandálias de couro era diferente, ou pelo menos Ana acreditava que o mesmo fosse.

E todos os dias era a mesma coisa, ele lá sentando com o seu cachimbo contemplando o nada, Ana estava aflita, não conseguia de forma alguma acreditar naquela situação, se perguntava como ele não morria de tédio sempre ali parado fazendo absolutamente nada além de fumar aquele cachimbo fedorento observando o vazio da seca. Um dia ela não aguentou, e foi em direção ao velho.

-Boa tarde! - Ana apareceu sorridente.

- Boa.

-Eu sou sua vizinha aqui do lado, me chamo Ana.- O velho permaneceu imóvel - Qual o seu nome?

O homem apenas encaixou mais uma vez o cachimbo na boca e espalhou o fedor de fumo barato. Ana ficou impaciente.

-Estou falando com o senhor.

-Eu sei. - respondeu o velho imóvel.

Nesse instante o velho se vira e olha diretamente para a garota e diz:

- Minha filha, nesses 100 anos de vida eu vivi 30 totalmente ligado ao mundo e desligado de quem realmente importava: eu mesmo. - aquelas palavras soaram como verdadeiras navalhas em Ana - E foram os 30 anos mais amargos da minha vida, por isso peço que não interrompa meu momento e deixe-me contemplar meus pensamentos pois é isto que me mantém vivo nesse mundo.

O velho voltou a sua posição inicial como se tivesse sido transformado em uma estátua. Ana saia dali perplexa, ela havia recebido não apenas uma resposta afiada como uma lição, aquele velho vivia em seu próprio mundo, ele vivia em si mesmo e foi assim que conseguiu chegar aos 100 anos.

"Talvez a resposta da longevidade esteja nesse escapismo confortável do mundo, mas seria essa a forma certa de viver?"

Tal pensamento ecoava na mente da jovem e manteve sua energia fixa nesse assunto, Ana contemplou talvez uma verdade da vida, essas atitudes que as pessoas tomam para si como uma resposta aos problemas que a vida impõe. Aquele velho viveu bem por estar sempre longe daquilo que o estressava, era uma covardia, mas sem dúvidas uma covardia brilhante, mas ainda assim algo intrigava Ana: qual o sentido da vida desse homem?

Sem nada para viver ou morrer, amar ou odiar, criar ou destruir, do que vale a vida daquele fumante compulsivo?

Vale nada, não vale nada e nunca valerá a não ser para o próprio, pois, seus embates consigo mesmo naquele cenário vazio eram o suficiente para completar a sua vida.