Combat

01/12/2020

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Passava na televisão no antigo canal 9, TV Excelsior, um seriado semanal da segunda guerra mundial em preto e branco de nome Combat. Era inicio dos anos sessenta e tinha eu cerca de dez anos. Adorava assisti-lo.

Ansioso, aguardava a chegada das terças feiras às nove horas da noite para acompanhar os capítulos. Identificava-me com o herói, claro: o Sargento Saunders, que enfrentava corajosamente as situações perigosas e de alto risco com o seu pelotão, que sempre vencia aos alemães! E a musica de inicio ficou gravada até hoje na minha mente; inesquecível.

Motivado pela série, em terreno baldio em frente à minha casa, brincava de Combat com meus amigos vizinhos, que também assistiam. Tinha um mato alto e denso, com muitos pés de mamona, que usávamos os seus frutos espinhosos como granadas, jogando-os acessos com fogo nos amigos inimigos.

Esse era o problema: definir os inimigos entre nós, os boches como falavam no filme. E quem seria o Sargento mocinho. Enfim, uma tarefa difícil que resolvíamos sorteando pedaços de papel com os nomes de cada participante do seriado.

Não era fácil, pois os contemplados como inimigos reclamavam muito, e às vezes, vilões novamente.

-Assim, não dá! Sou boche de novo! - diziam.

Fazíamos nossas armas com pedaços de madeira, galhos de arvores, canos velhos, imaginando termos as mesmas que as dos nossos heróis.

Pedi ao meu pai, que conhecia um marceneiro, que fizesse uma metralhadora como a do Saunders, mas que não ficou igual.

Um dia, um dos meninos veio com uma como à dele, o pai lhe trouxera dos Estados Unidos, para o nosso espanto e admiração. Virou a sensação do grupo e nesse dia ele foi o herói. Mas, quando era sorteado outro que não ele como o sargento, a sua metralhadora era emprestada compulsoriamente ao herói comtemplado, mesmo a contra gosto! Eram assim as regras, e tínhamos que cumpri-las, pois guerra é guerra.

Nossa turminha era de sete amigos, o que também gerava problemas: se acordava que os boches teriam um a mais. Afinal, os heróis quase sempre venciam... Mas perdiam também.

Definidos os grupos de combate, entrávamos no terreno e nos escondíamos ocupando e defendendo uma das extremidades do terreno que era bem comprido. Arrastávamos no mato, vestidos quase sempre de shorts, camiseta e sandálias havaianas, arranhando-nos bastante, pois fora o mato, havia muito entulho jogado de outras épocas, mas que não nos atrapalhava em nada. Afinal, estávamos em guerra e um arranhão pouco importava.

A missão era conquistar o terreno do adversário, que se concretizava quando alguém chegasse até o muro defendido. Para que isso acontecesse, tínhamos que nos camuflar e passar despercebido pelo inimigo, o que nem sempre era fácil.

Se alguém fosse denunciado pelo nome gritado pelo opositor, era metralhado implacavelmente, com o som que fazíamos com a boca imitando o da arma dos nossos heróis, saindo da batalha o alvejado. Um a menos.

Os boches quase sempre ficavam nos fundos do terreno, que coincidentemente era vizinho da casa de um dos amigos, sendo assim uma rota de fuga. Mas, se ele fosse do time dos mocinhos, invertia-se a situação de guerra.

Para que a brincadeira parecesse o mais real possível, colocávamos fogo em galhos secos de mamona e nos seus frutos - as granadas, que emitiam uma fumaça branca, densa e toxica, como os bombardeios de canhões e morteiros que víamos na série. Deixava uma bruma e um cheiro forte de queimado sobre o terreno, incomodando e preocupando os vizinhos, que um dia, chamaram os bombeiros pensando que o mato estivesse pegando fogo, o que de fato poderia acontecer. Nesse dia, fugimos ao chegarem para apagar o fogo. Alarme falso.

O susto foi grande e o castigo maior, aplicado por nossos pais, que nos prendeu por algumas semanas em casa.

Então, em um dia em que brincávamos no nosso campo de batalha, apareceu um caminhão com um trator, que logo derrubou o muro e começou a limpar o mato, deixando todo desnudo ao final dos trabalhos . Nossa brincadeira fora arrasada como por uma bomba atômica, pois não restou nada mais do que era o nosso teatro de Combate.

Hoje, uma bela casa foi nele construída. As lembranças das batalhas infantis que lá enfrentamos, foram soterradas: são eternas como os nossos heróis.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 02/12/2020
Reeditado em 02/12/2020
Código do texto: T7125549
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