Conto das terças-feiras – Chamada telefônica inconveniente
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 24 de novembro de 2020.
Sábado, ainda madrugada, às cinco horas, Paulo preparava sua aula para logo mais à tarde. Reinava calmaria, bom ambiente para concentrar-se, ler e selecionar o conteúdo a ser explanado durante a sua “live” de hoje, já que estavam de quarentena. Lá fora, variedade de pássaros cantavam, prenunciando belo dia, não chovia, coisa comum no espaço ocupado pelo apartamento de Paulo. Ele mora em lugar aprazível, edifício construído em área bastante arborizada. Tudo respirava tranquilidade, a esposa e filhos dormiam, ele estava quase terminando o planejamento do conteúdo que chegaria à compreensão de seus alunos.
De repente o seu celular toca, ele resistiu em atender, como ainda era muito cedo, só poderia ser uma urgência, alguém precisando de seu auxílio. Uma voz rouca e claudicante falou:
— Alô meu amor, tudo bem?
— Meu amigo, quem fala aqui é o Paulo, acho que você está enganado, eu não sou o seu amor, senão minha esposa pode ficar com ciúmes, você deve estar me confundindo com alguém. Abraço!
Ao fundo ouvia-se uma música brega, em alto som, que denotava um cabaré em plena atividade, o sujeito, com dificuldade, tentava explicar a situação:
— Certo, meu amigo, mas então “tá” tudo errado, entendeu? Peguei esse “númuro” aqui de uma “muié”, chamada Fátima, ela pediu para eu puxar esse “númuro” aí, entendeu?
Em complemento ao que dissera antes, o homem continuou:
— Como que uma pessoa dá o “númuro” errado pra gente, hein?
— Pois é, meu amigo, eu estava pensando a mesma coisa. Por que ela deu o número errado? Pergunte por que ela fez isso, deu um golpe em você. Não conheço nenhuma Fátima. Que você encontre essa pessoa e pergunte por que ela não lhe deu o número certo. Um abraço, bom fim de semana!
— Valeu meu amigo, obrigado pela informação, mas “tá” de boa! Um abraço para você também.
Ao final do diálogo percebe-se que a música continua, mas a voz não parecia a mesma. O homem, talvez amargurado, pranteava, chorava ao escândalo, dor de cotovelo?
Paulo perdera a concentração com dó daquele sujeito que, esperando ter um encontro com a garota que povoara sua imaginação durante toda a semana, naquele sábado não podia contar com ela. Restava-lhe beber todas, até cair! Por certo não retornaria à sua casa, solteiro, não haveria problema. Casado, sua mulher e filhos ficariam aflitos, por não saber que descaminho tomara o chefe da família. Fátima, por certo, estaria nos braços de outro alguém, tentando ludibriá-lo com promessas de novo encontro. Outro celular seria acionado e o seu dono tentaria se justificar que não era a pessoa procurada.
Paulo recolheu-se ao seu quarto, onde a esposa ainda dormia. Olhou para ela e deu graças a Deus por não ser dado a esse tipo de passatempo.
Assim, termina mais uma madrugada de sábado, uns na farra e outros se preparando para exercer seu ofício de professor. São histórias do cotidiano e de seus protagonistas.