Conto das terças-feiras – Duplo vacilo
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 24 de novembro de 2020.
Elas nunca haviam se encontrado, embora morassem no mesmo bairro. Conheceram-se por intermédio de um anúncio de jornal que assinalava: vende-se um carro usado, três anos de uso, com características de novo, cor cinza, marca Chevrolet, modelo Corsa Sedan Classic, ano 2010, carro de mulher.
Depois de percorrer toda a página de classificados do jornal local, Marília, 25 anos, na compra do primeiro carro, optou pelo Chevrolet cinza, de preço acessível ao seu bolso. Acabara de assumir emprego em uma empresa pública, com bom salário. Pela foto o veículo parecia em bom estado de conservação. O que mais a agradou foi a maneira cortês como Vanda, 48 anos, respondeu às suas perguntas sobre o automóvel à venda. Marcaram um encontro para o outro dia, um sábado, com o intuito de fecharem o negócio.
No outro dia, bem cedo, Marília seguiu para a casa de Vanda. A ansiedade em ter um carro só seu, povoara sua mente, que não a deixara dormir um segundo. Morava só, não tinha parentes na cidade e poucos amigos participavam de sua vida social. Era tímida, não curiosa, aprendera a dirigir com certa dificuldade, mas estava devidamente credenciada pelo DETRAN para dirigir. Em sua bolsa figurava a carteira de motorista, o RG, seu celular e algum dinheiro para pagar o táxi e a gasolina, se o tanque estivesse precisando. A intenção era receber o carro, levá-lo à sua casa e somente sair na segunda-feira, para ir ao trabalho. Tudo estava programado como sempre fazia, pois não gostava de surpresa.
O taxista parecia ter brigado logo cedo com a esposa, calado, trafegava lentamente pelas ruas da cidade não muito movimentada, aumentando a agonia de Marília, que questionava alto:
— E se a mulher já vendeu o meu carro, o que vou fazer?
Há algumas semanas a garota pesquisava sobre vendas de carro. Até o dia anterior, nada tinha sido de seu gosto. Visitara duas revendedoras. Na primeira, não lhe agradava o estado dos veículos, na outra, o preço estava bem acima de suas reservas monetárias.
Chegando à casa de Vanda, após as conversas de praxe, deu uma volta no veículo para confirmar suas condições. Marília perguntou pelo aparelho de ar-condicionado. A resposta recebida foi negativa, não havia esse conforto no carro, daí o seu preço de venda. A moça não ficou satisfeita, mas compreendeu que isso não fazia parte das tratativas do dia anterior. Efetuada a transação, com a transferência imediata pelo celular do valor pedido, só lhe restava ir direto para sua residência, como havia planejado.
Passados dois verões, sentindo um calor insuportável, tendo que viajar constantemente de janelas abertas, a funcionária pública planejava trocar seu Mimoso, nome dado por ela ao seu meio de transporte. Com mais experiência, convidou um colega para ajudá-la a encontrar um carro com ar-condicionado, que lhe proporcionasse mais conforto.
Sem mencionar que o motivo era esse, os dois se prepararam para uma cruzada. De janelas abertas, os amigos visitaram várias lojas de veículos usados, sem muito sucesso para o que ela pretendia e podia comprar. De repente, começou uma chuva, uma tempestade, obrigando-os a fecharem as janelas. O amigo pediu para ligar o ar-condicionado, o que prontamente Marília esclareceu:
— Este carro não tem ar-condicionado!
— Claro que tem amiga, é só ligar este botão aqui, completou o colega.
De repente, uma corrente de ar inundou o interior do veículo, deixando-o super agradável. Como se não estivesse acreditando naquilo, a garota desligou e ligou várias vezes o botão acionador do condicionador de ar. Ela não sabia se chorava ou sorria.
— Como fui tola esse tempo todo. Passei dois anos de calor por não perceber que havia esse maldito aparelho aqui em meu carro.
Mais controlada começou a rir alto, e falou:
— Desventurada foi a Vanda, comprou um carro zero km e passou três anos sem saber que o seu veículo tinha essa gerigonça, que produzia ar frio!
Os dois esqueceram a compra de um novo carro, passaram todo o trajeto para casa às gargalhadas.