Pé na Porta
03.05.2018
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Tinha cerca de 3 para 4 anos, um nenê ainda e moravam na casa ele, a irmã mais velha, seus pais e sua avó materna, a "Oma" em alemão. Não era alemã, mas francesa. Seu pai fora barão e teve que fugir da revolução naquele país para a Rússia, que abrigou esses nobres em um enclave criado para isso. Como prova dessa história, havia na sua casa um "samovar", espécie de chaleira para esquentar a água com carvão aquecido para fazer o chá e estufa também, em cobre reluzente, que ficava em local importante e imponente na sala de visitas. Não se podia tocar!
Viviam ali em bairro longe do centro da cidade ainda pequena, com regiões virgens como em um sítio, ruas de terra, grandes e frondosos eucaliptos ao longo de um córrego de águas límpidas e frias, bucólico e agradável clima de fazenda, neblina pela manhã e friozinho. Assim era o local há mais de 60 anos.
"Oma" tinha predileção declarada por sua irmã - só falava em alemão com ela , mas não com ele. Uma diferenciação explicita. Comprava chocolates só para a irmã e os dava na frente dele! Outra diferença. Tinha ciúmes da irmã e não gostava da avó.
Como hábito, depois do almoço ela sentava na sua cadeira de balanço deixando a ponta do pé para fora da porta do quarto no corredor da casa, balançando e tricotando. Cochilava também, seu ritual de quase todos os dias. A esperava cochilar, ali.
Vinha então correndo rápido e decidido pelo corredor junto com seu fiel amigão "Rex" - um enorme pastor alemão "capa preta" bem maior que ele - eram inseparáveis, sem latir e "pá!" pisava com gosto no pé da avó à sua disposição e vingança!
Fugiam de volta felizes para o quintal nos fundos da casa, ele sorridente e "Rex" latindo de prazer aprovando a brincadeira. Era a sua predileta.
Ela acordava com o susto e dor no pé, gritando em alemão para a sua filha indignada:
- Esse menino não tem jeito! Precisa educar ele! Pisa quase todo dia no meu pé aqui no meu quarto, me mata de susto! Precisa dar um castigo bem forte nele. Dar uma surra boa! Não tem respeito!
Sua mãe vinha ver o que ocorria. Já sabia, pois eram frequentes esses "desencontros" dos dois, ou três e lhe respondia em alemão que ele era moleque e fazia aquilo de brincadeira (ela sabia que não) até "Oma" se acalmar e voltar a fazer o seu crochê balançando na cadeira.
Nos dias seguintes, ela não sentava daquela forma, ficava com a porta do quarto fechada por precaução. A espreitava olhando pelo corredor para ver se o seu "pezinho", era pequeno mesmo, apontava ali no rés do chão, convidativo para um novo ataque. Dias depois ela esquecia, e novamente estava lá ele a mercê deles para mais um "pisão" de vingança. E "pá".
Hoje adulto, relembra essa história com certo pesar e tristeza, essa lembrança que tem da sua avó, a "Oma". A perdoou!