Spanhol

02.05.2018

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Precisava fazer cópias de chaves de três cadeados. Teria que ir no "centrinho" comercial, longe. Lembrou então que havia um senhorzinho, duas ruas à frente da sua, que já lhe fizera réplicas antes. "Spanhol" - recordou o nome do chaveiro estampado na placa na esquina da rua da sua oficina. Pegou a moto e foi lá com as chaves.

Morava ele na casa assobradada nos fundos do terreno com uma casinha de madeira na frente - a oficina de chaveiro.

Chegou. Estava fechada, e na janela do sobrado uma senhora que deveria ser a esposa dele. Olhou para ela e para a oficina, ela percebeu sua pergunta muda e lhe respondeu com o dedo indicador da mão para cima.

Estacionou e desceu, tirou o capacete e olhou para a janela agora com um senhor de óculos e lhe gritou:- Bom dia! Preciso fazer cópias de chaves!

- "Tô descendo." - respondeu o senhorzinho - o "Spanhol".

Aguardou. Saiu ele da porta da entrada da casa: alto, magro - até esquelético, bonezinho, cabelos ralos, camiseta de time de futebol, calças compridas e havaianas.

Tinha mãos grandes e tremulas, muito tremulas! Deveria estar com Parkinson.

Abriu a oficina com cheiro de tinta nova, escancarou as janelas – foi pintada com a porta recentemente; organizada e limpa.

Pegou as chaves para copiar e começou a procurar no mostruário de inúmeros tipos, tamanhos e formatos as réplicas brutas.

Tremia muito e descontroladamente com a mão esquerda, a de maior uso e estava com uma a ser copiada nessa mão, que causava nele aflição pela amplidão do tremor, dando vontade de ajudar o velho a encontrar a adequada. "Será que vai fazer certo?", pensou.

O velho chaveiro pegou uma e a comparou com a original no seu treme - treme desenfreado e aflitivo.

Ele nervoso com o senhorzinho com as chaves na mão grande tilintando uma com a outra. Quase as pegou dele, mas achou melhor controlar a sua ansiedade. Ficaria o senhor ofendido. Ele o ajudou na procura. Acharam todas.

Começou a copiar uma delas, colocando a original como guia e a cópia ao lado na máquina copiadora, sempre com o tremer das mãos incomodante, até que o som metálico do disco cortante parar.

Retirou, passou na escova mecânica da máquina e pronta a cópia.

Achou melhor ir buscar os cadeados para fazerem os testes e ajustes das cópias, por precaução, sugerindo ao chaveiro. Concordou.

Subiu na moto e os trouxe num rápido. Todas as cópias já estavam prontas para serem testadas.

Duas ficaram perfeitas, uma exigiu um pouco mais de lima. Funcionou também.

Pagou e lhe perguntou:

- "Por que o nome "Spanhol"? O Senhor é italiano, não?"

- "Mio sobrenomi italiano é "Spagnole", quer dizer espanhol, e lá na "sera" donde vem a nostra famíglia chamavam "nóis" desse jeito, "Spanhol" e ficou!" - responde o senhorzinho chaveiro com sotaque arrastado típico da serra daquela região do sul do país.

Ficaram conversando ali na casinha arrumadinha, "Spanhol" lhe contando que estava com problemas de saúde, visíveis pela "tremeledeira" das mãos e continuaria fazendo chaves até não poder mais usar as mãos, grandes.

Foi o primeiro "Spanhol" italiano que conhecera e fará sempre com ele as cópias de chaves que precisar, até quando suas mãos não mais deixarem.

Simpático o Sr. Spagnole, ou "Spanhol" !

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 17/11/2020
Código do texto: T7113572
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