Conto das terças-feiras – A mulher do piloto de aeronave
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 10 de novembro de 2020.
Janaína era uma jovem e bela morena, cabelos curtos e pretos e, como diz José de Alencar, “mais negros que a asa da graúna”, acentuando as suas características indígenas. Simples, tímida e descuidada no vestir, parecia uma criança, tal a maneira de se comportar. Não usava sutiã, embora de seios fartos, ia descalça à mercearia e a lugares não distantes de sua casa. Tinha um filho de quatro anos e um marido, este amazonense e aviador.
O casal não tinha empregada, a mulher fazia todos os afazeres domésticos, cozinhava, lavava roupa e passava, cuidava do filho e do marido, no esmero. Nunca parecia cansada, estava sempre alegre e esbanjando saúde. Não havia tempo ruim para ela. Quando o marido voltava para casa, depois de três a quatro dias viajando, Fortaleza x Rio de Janeiro x Fortaleza - sua escala semanal de voo - trazendo roupas e fardas sujas, prontamente ela tratava de lavá-las. Fazia-o com carinho.
Os vizinhos não a viam sair de casa com o marido para passeios ou coisas semelhantes. Ele, em seus dias de folga ia ao futebol, beber com os amigos e jogar cartas. Segundo o piloto, mulher casada era para ficar em casa. Os vizinhos achavam estranho aquele comportamento, mas iam se acostumando, sob a alegação de que deveria ser hábito indígena. Ninguém os visitava, parecia que não tinham familiares na cidade. Também não haviam feito amizades com os vizinhos, embora já estivessem morando naquela rua há mais de dois anos. Por delicadeza e graciosidade, ela cumprimentava a todos. Alguns não respondiam, como que em represália.
Elísio era um adolescente curioso. Conhecia e se dava bem com todos os vizinhos, prestava pequenos serviços para quem dele precisasse. Também era bisbilhoteiro, dava conta de tudo o que se passava no seu quarteirão. Intrigado, não entendia o porquê de a mulher da casa de número 1620 ainda não ter precisado de seus préstimos. Certa ocasião resolveu falar com a dona Janaína, com o maior respeito, se ela não estava precisando de um menino, ele tinha 13 anos, com aparência e atitude de 15.
Ele já conhecia os hábitos do aviador, saía de casa nas tardes das segundas-feiras e só retornava as quartas, para então viajar na quinta e retornar no sábado. Aproveitando uma segunda-feira, logo depois que Janaína ficara só com o filho, foi até à casa da vizinha, para colocar-se à sua disposição. Bateu palmas e falou:
— Dona Janaína, eu sou o Elísio da casa 1518, venho perguntar se a senhora está precisando de alguma coisa.
A mulher olhou para aquele garoto terno e prestativo, aproximou-se, abriu o portão e solicitou que entrasse.
— Você gosta de criança?
— Eu tenho dois irmãozinhos, tomo conta deles quando a babá não vem – falou o garoto com tanto convencimento, que a mulher confiou nele, recomendando:
— Eu preciso ir à mercearia e Fabinho, meu filho, está dormindo, você fica aqui até eu voltar?
— Claro! - respondeu o garoto.
Desse dia em diante, Elísio passou a ter trânsito livre na casa do aviador, desde que ele não estivesse em casa. Uma grande amizade surgiu entre os dois, o garoto se esforçava para atendê-la nas mais variadas vontades. Uma noite até dormiu na casa da mulher, que estava doente, e ele, respeitosamente, aquiesceu ao pedido de Janaína:
— Durma aqui hoje, não estou bem e se Fabinho acordar talvez não consiga me levantar. Vou tomar um remédio para passar essa dor.
— Vou avisar à minha mãe, se ela concordar eu venho.
O menino contou uma história dizendo que iria dormir na casa de um amigo, que morava no final do quarteirão. Os pais haviam viajado, e quando isso acontecia, Elísio sempre dormia lá.
Várias outras vezes o garoto fora convidado a fazer companhia para Janaína. Ela já não conseguia ficar sozinha em casa. Ele passou a dormir na cama dela, era para não ser acordada quando a criança chorasse. Dizia ela, que estava ficando muito cansada daquela vida, de não ter empregada para ajudá-la. Era a salvação do esperto garoto, ele também se acostumara àquela vida dupla. Já se tocavam e trocavam carinhos.
Em uma segunda-feira o marido disse que estava sendo transferido para São Paulo, fazer rota internacional. Aquela semana seria a última viagem da rota Fortaleza x São Paulo x Fortaleza. Assim, quando voltasse, mudariam para a capital paulista.
Naquela noite os jovens fizeram amor, foi a primeira e última vez. Nunca mais se encontraram.