“Vai Curintia!”
05/11/2020
294 – SCRÇGR
Pelé fez oitenta anos há semanas, a lenda do futebol mundial - o Rei, mas agora está em cadeira de rodas, uma pena. Meu ídolo, e à sua imagem, eu e muitos garotos queriam ser um Pelé naquela época. Coincidentemente, meu filho mais novo era bom jogador de futebol no nosso clube e foi apelidado assim, Pelé.
O vi jogar varias vezes naquele tempo da sua gloria mundial, anos sessenta e setenta do século passado, e na maioria das vezes, no estádio do Pacaembu, perto de onde eu morava e da escola que estudava. Ia assistir aos jogos nos finais de semana, geralmente os clássicos aos domingos. Santos, o seu time principal por quase toda a sua carreira, versus Corinthians; ou contra o São Paulo, ou Palmeiras, principalmente.
Era adolescente, com quatorze, quinze anos, e o programa que fazia com outros amigos santistas ou não. Às vezes ia sozinho. Pegava o ônibus com mais de duas horas de antecedência do horário do jogo, comprava o ingresso nas cabines no corpo lateral do estádio, sendo, por exemplo, as arquibancadas de um lado, as numeradas de outro. Geralmente ia de arquibancadas, mais barata e podia-se sentar. A geral era muito ruim, ficava-se em pé e muito cansativo.
O estádio, na época que eu frequentava, era bem diferente do atual. Foi Inaugurado nos anos quarenta, ainda mantinha a original concha acústica atrás do gol, oposto à entrada principal, onde hoje é o “tobogã”, com o placar manual sobre ela. Às vezes, quem trocava os números se esquecia de mudar após um gol, e as vaias e gozações de que estava dormindo irrompiam. Os assentos eram em madeira nas cadeiras numeradas, e as arquibancadas, em degraus de alvenaria, ou em concreto. Tudo bem rustico e simples.
A visibilidade era, e é impressionante até hoje, como a sua acústica fantástica, pois se ouvia tudo do jogo, e principalmente, o som grave do toque na bola e o seu rolar no gramado. Foi construído em um vale entre dois morros, que apoiam lateralmente a sua estrutura, como um anfiteatro. Eu adorava esses sons, me empolgava e estimulava a seguir o meu sonho de ser um Pelé.
Os torcedores eram um caso a parte durante as partidas, com suas observações engraçadíssimas, os apelidos que davam aos jogadores, falavam alto sem qualquer constrangimento, xingamentos à mãe do juiz, ao técnico, jogadores, bandeirinhas, enfim, um espetáculo alegre de democracia e igualdade, pois ali todos eram iguais ao torcerem pelos seus times do coração, sem distinção de raça, credo e ou política, principalmente ao marcarem um gol: a comemoração irrompia em abraços, cânticos e sorrisos de felicidade entre todos. A vida parava naqueles minutos!
Vendia-se sanduiche de salame em pão francês, o vendedor passava entre os espectadores com a sua cesta de vime, com eles embalados em sacos de papel branco. Eram deliciosos, e comia pelo menos um em cada tempo do jogo. Saudades desse “sanduba”.
Também, amendoim torrado em saquinhos cônicos de papel, como chapéu de bruxa, e eram ótimos, crocantes e salgados.
Embaixo das escadas de acesso às arquibancadas, havia a venda de refrigerantes e cervejas, geralmente da Antártica, em garrafas de vidro. Comprava-se e bebia-se ali, sendo proibido leva-las para a plateia, obviamente. Podia-se somente em copos plásticos.
Foram bons tempos da minha adolescência. Fiquei por muitos anos sem ir ao Pacaembu, mesmo vindo a morar no bairro do mesmo nome, depois de casado, voltando a revê-lo em um jogo entre Santos e Corinthians, com meus dois filhos com 9, 10 anos na época. Tentava convencê-los que fossem santistas como eu, e que meu time ganhasse esse jogo.
Fomos os três nas numeradas, onde a maioria era Corintiana. O Santos perdeu por 4 a 0 , com quatro gols do Viola, que depois foi jogar no Santos!
A cada gol dele, os meninos pulavam e vibravam junto com os torcedores a minha volta. Eu sentado quieto e passado, com a torcida dos Gaviões da Fiel nas arquibancadas bem à nossa frente, estendendo a sua enorme bandeira e cantando em coro seus hinos com alegria contagiante. Foi um vexame inesquecível para mim!
-Pai, sei que você quer que a gente seja santista, mas não dá pai! O Corinthians tá jogando muito e a torcida não têm pra ninguém! - disse o meu filho menor, que curiosamente tinha a alcunha de Pelé, após esse jogo.
Viraram “Curintiano”, sendo o meu Pelé um torcedor fanático, de brigar com a televisão quando o time jogava mal! Muito engraçado vê-lo em jogos que perdia.
Graças ao meu querido e inesquecível Pacaembu, meus filhos viraram Corintianos, não teve como, para a minha decepção de santista geração Pelé.
Vai “curintia”, eles me falam quando assistimos jogos entre os nossos times!
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