A amiga
Sofia queria conhecer a casa nova de sua amiga Amélia.
Não sabia que tinha piscina lá. Amélia era daquelas pessoas modestas, batalhadoras.
De origem humilde, não era dada a ostentações desnecessárias. Com o suor do seu rosto comprara uma casa nova em um condomínio bom, desses que têm até mansão. Mas não era de fazer alarde com isso, só queria morar bem com o encosto do marido e os três catarrentinhos que mesmo acostumados a boas escolas não aprendiam bons modos nunca.
Pois bem, Sofia combinou de ir ver a amiga no sábado, mandou lavar o corcel velho de bancos puídos, que embora bem conservado ainda era um corcel. Chamou o marido Acácio, homem de dignidade invejável, trabalhador e honesto para ir visitar Amélia, mas ele se recusou a ir ver o parasita do Raimundo, "não gosto desse tipo de malandro que vive às custas da mulher, eu não vou". Sofia reuniu então seus dois filhos que já adolesciam e partiram rumo ao condomínio de luxo. No carro confabulavam sobre a casa da amiga, seria simples ou seria uma mansão? Tomariam banho de mangueira ou piscina? Deve ser piscina, por isso Amélia recomendou roupa de banho.
Já à portaria o porteiro solicitou o QR-code para que pudessem entrar. "Rute, minha filha, aquele número que ela mandou para o seu celular, me dá aí, anda, tenho que esfregar aqui nesse aparelho." Cancela aberta lá foram eles rumo à casa de Amélia.
Pararam em frente a uma casa imensa, pé direito alto, ladeada com vidros fumê e um caramanchão de flores pequeninas e coloridas. "Será aqui mesmo? Que chique!"
Lá vem a amiga solícita a recebê-Los sem a menor cerimônia. Catarrento um já subindo no porta malas do corcel. Catarrento dois se pendurando de ponta cabeça no caramanchão e catarrento três escondido atrás da porta pronto pra dar um susto nos visitantes.
"Que casa chique, Amélia! Cê 'enricou' mesmo lá na receita federal, né?"
"Ué, minha amiga, não ganho mal, deu pra realizar esse sonho, né? Vamos entrando que Raimundo já está com as carnes na churrasqueira."
Todos se acomodaram ao redor da piscina e lá vem Raimundo com seu barrigão, só de sunga e avental perguntando: "Quéde Acácio, quis 'vim' não?"
"Pois é, Acácio estava muito ocupado hoje, levou trabalho pra casa, coitado. Ele adoraria ter vindo, até te mandou um abraço."
O adolescente de Sofia que se escondia o tempo inteiro por baixo dos fones de ouvido, estava em um mundo paralelo desde sempre, mas nessa hora não segurou o riso por causa da mentira da mãe, sabia que o pai não ia com as fuças de Raimundo.
E assim foi, a tarde corria amigável, entre uma macaquice e outra dos catarrentinhos de Amélia, uma risada desconfiada e outra do adolescente de Sofia e com toda simpatia de Rute que ficava o tempo inteiro tentando amenizar as gracinhas do irmão.
Mais tarde, depois de um tour pela casa muito bonita e de todas as exclamações e surpresas em razão do sucesso da amiga, Sofia chamou os filhos para irem embora. Estava feliz com a conquista de Amélia apesar do parasita do Raimundo e dos três catarrentinhos-capeta que tiravam-lhe todo sossego.
Por falar neles, estavam vendo só dois ali agora. "Cadê o diabo do menino, Raimundo? Tava com você agorinha!"
"Comigo não, já faz tempo que passou por aqui."
Bateu um desespero, todos procurando pelo infeliz do menino!
Olha na piscina, no quintal, nos quartos, nos armários da cozinha, nos três banheiros, dentro da máquina de lavar, no telhado, no sótão, no porão, na casa do vizinho e nada. Nada do menino aparecer.
Sofia não podia ir embora e deixar amiga naquele desespero, ela e os filhos resolveram ajudar a procurar. Resolveram não, ela teve que obrigar.
Lá foram eles rodar o condomínio procurando o menino. E nada. Nenhum sinal do catarrento. Chamaram a polícia. Até Acácio chegou pra ajudar nas buscas, subiram em árvores, nas caixas d'água, em todo canto, em toda parte. O menino sumiu mesmo.
A mãe já derretia de tanto chorar e nessas horas começaram os desabafos.
"Raimundo, seu parasita, se você não fosse tão inútil serviria ao menos pra ajudar a olhar os meninos."
"A culpa não foi minha não, culpa dessa amiga sua aí que chegou desde cedo e não tem hora pra ir embora, ficou aí empatando o dia inteiro, nem desconfiou que a gente queria ir dormir, o menino cansou e sumiu, ué."
"Opa! Não vem falar assim da minha mulher não, seu verme dos infernos, todo mundo sabe que você é um vagabundo que a mulher tem que sustentar. Mais respeito com a minha família."
O adolescente também encheu seus pulmões "Viu só, mãe, eu te falei pra não inventar desculpa, papai não veio porque não vai com as fuças desse aí e a senhora colocando panos quentes."
"Oh meu filho, cala a boca diacho, se Amélia não sabe educar os filhos eu te dou muito boa educação. Não sei pra quê uma mansão dessas com uns filhos encapetados desse jeito, não fossem tão malcriados a gente não estaria aqui até essa hora procurando esse estrupício."
"Ah, sua amiga da onça! Bem que eu desconfiava que você era muito invejosa! Só veio pra bisbilhotar minha casa nova, né? Achei que torcia por mim, pois pode pegar essa lata velha sua e rachar fora daqui, seus ingratos! Deixa que meu filho procuro eu!"
Lá foi a família de Sofia remoendo a raiva pra dentro do corcel velho. Helicópteros sobrevoavam o bairro a procura do menino desaparecido, madrugada já ia alta quando Rute sentou-se no banco de trás do carro em cima de uma coisa volumosa, ao que escutou um grito de menino.
"Mamãe!" Levantou-se um menino remelento do banco de trás do corcel onde havia uma pequena poça de baba. Dormira o tempo todo ali no velho carro da amiga sem que ninguém o encontrasse.
"Mamãe, posso ir passear na casa da tia Sofia?"