Aquele passeio

Era nosso sonho conhecer o aeroporto. Decidimos ir a pé. Eram seis quilômetros. Então andaríamos doze quilômetros entre ida e volta. A princípio ficamos empolgadas e uma das amigas disse que o aeroporto é logo ali. Eu acreditei que seria logo ali mesmo. Usávamos um sapato colegial daqueles que se usava nos anos sessenta. A princípio era um calçado confortável e fomos andando felizes, observando tudo em redor. Era muitas falando ao mesmo tempo. Todas entre dezoito e dezenove anos. A pacata cidade não proporcionava muita diversão. Saímos logo após a aula. Estávamos há dias de nos tornarmos normalistas.

Fomos. Andamos aproximadamente meio quilômetro e meus pés já começaram a dar sinais de cansaço. A turma seguiu tranquila e eu resolvi parar com minha melhor amiga à beira do caminho me sentando em uma pedra. Retirei o sapato e vi que uma bolha se formava bem na altura do tendão de aquiles. Minha amiga Amália disse que não era nada, abriu a bolsa, retirou um pequeno curativo e pediu que eu o colocasse sobre a bolha. Assim poderíamos continuar e alcançar nossas amigas. Fui então incentivada a continuar, calcei a meia e coloquei o sapato. E quando já ia me levantar olhei para lado e dei de cara com um enorme calango. Dei um grito e de um salto me pus a correr em direção as outras, esquecendo-me de meus sensíveis pés.

Andamos mais próximas as outras colegas e tivemos uma lembrança nada agradável. Não levamos nenhum lanche e não havia nenhum estabelecimento no caminho que pudéssemos parar para lanchar ou tomar uma água. Reclamei com Amália que me disse: – Logo estaremos no aeroporto e aí nós podemos comprar um lanche. Agora vamos Cristina, já estamos chegando.

– Chegando aonde que eu não estou vendo nada parecido com um aeroporto. Só vejo a estrada e o pasto!

Andamos mais uns poucos metros, até que observei um boi pastando bem próximo a estrada. Parei. Fiquei cismada. Seria seguro passar pelo boi? E se ele corresse atrás de nós? Fiquei observando o grupo de amigas animadas passarem tranquilamente por ele. Foi aí que fiquei mais calma. Amália também não era tão corajosa. Passamos desconfiadas, e não é que o boi cismou com nós duas. Instintivamente pegamos na mão uma da outra. Rodopiamos. Queríamos fugir sem saber para onde. Ouvimos o boi enfurecido. Não tivemos alternativa, saímos da estrada e fomos pasto afora em desabalada carreira. E ele investiu contra nós. Finalmente vimos uma cerca de arame farpado de três fileiras e com uma destreza que eu desconhecia passamos por baixo da cerca. Sendo que Amália foi mais feliz do que eu. Tive um rasgão nas costas que me deixou com muita dor, mas livre da perseguição do boi. O certo era voltar, mas tivemos que ir atrás das outras para que nos ajudasse a conseguir uma condução para a volta. A dor era forte, mas tive que continuar. Amália que a princípio parecia ter saído ilesa da situação, mostrou me o pé descalço. O sapato havia se perdido antes de atravessarmos a cerca. E a meia branca havia se enchido de carrapicho. Gritamos pelas outras mas havia uma distância considerável entre nós que as impedia de nos ouvir.

Tive que parar mais uma vez. Fiquei lamentando o nosso passeio. Até que avistamos o caminhãozinho do seu Antônio e dona Maria que vinha em nossa direção. Ficamos felizes como nunca. Agora era só pedir carona. Fizemos sinal para que parassem, e contamos que precisávamos voltar para casa. Seu Alceu coçou a cabeça e disse que não daria, a cabine do caminhãozinho era muito pequena e só restava a carroceria onde levava os tambores de lavagem. Olhamos uma para a outra e decidimos embarcar. Tapamos os narizes e chegamos em casa firmes e fortes, apesar das costas que me deixou uma cicatriz, lembrança de nosso passeio.