Conto das terças-feiras – Dona de Salão
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 3 de novembro de 2020.
Herdeira de uma média fazenda de cana-de-açúcar, Sarahmilcar, ou simplesmente Sarah, porque abominara a junção do nome de seus pais, Sarah e Amílcar, depois da morte de ambos, se mudou de Tamandaré, PE, para o Ceará. Com o dinheiro obtido da venda da propriedade, já que não tinha formação profissional alguma, montou um salão de beleza em uma próspera cidade do estado. Em apenas três semanas aprendera a fazer unha, observando o trabalho de Marilda, sua contratada para esse fim.
Depois de dois meses aprendera a cortar cabelo, depilar, fazer sobrancelha, desde que a cliente não fosse muito exigente. O salão progredia, e ela, jeitosa, aparelhava seu estabelecimento sempre que percebia novidades chegadas aos salões da capital. Mais que depressa procurava adotá-las e passava o comando dos trabalhos para Marilda, moça bonita, habilidosa e de confiança irrestrita. Todas as mulheres da cidade, detentoras de condições financeiras se utilizavam daquele ambiente convidativo de bem-estar e conforto. Sua fama se espalhara pela região, obrigando a proprietária a investir cada vez mais. Da equipe inicial, apenas Sara e Marilda. Ao cabo de seis meses foi necessário ampliar o quadro de funcionárias para quatro cabeleireiras, três manicures, uma maquiadora e uma esteticista.
Certo dia entrou no salão um jovem de boa aparência, educado, que queria cortar o cabelo e fazer as unhas. O salão estava cheio, só mulheres, pois, até aquela data nenhum homem havia estado lá. As garotas entreolharam-se, algumas gostaram. O jovem era um belo espécime de macho. Elas comentaram sobre ele ser da capital. As mais antigas fizeram cara feia.
Marilda e Sarah correram em direção ao homem, que permanecia à porta do estabelecimento. A proprietária, acenando com a mão, fez com que a colaboradora parasse. Ela chegou ao homem, que se apresentou:
— Sou Adalberto, preciso cortar o meu cabelo e fazer minhas unhas, estão ambos, grandes. Estou na cidade para abrir uma farmácia e quero estar apresentável.
Desse encontro nasceu uma grande amizade que desaguou em casamento pouco tempo depois. Era o casal mais comentado da cidade. Faziam um par perfeito. O único problema é que o marido não conseguira montar a farmácia, pois lhe fora negado pelo banco o empréstimo que dizia ter solicitado. Essa e outras pequenas mentiras levaram a esposa a desconfiar que ele não passava de um vigarista. De olhos mais abertos, passou a monitorá-lo. Ele, a pretexto de procurar emprego, saia sempre pela manhã, só voltando à tardinha. Quando chegava dizia estar com fome, só comera umas besteiras entre uma entrevista e outra.
Cansada dessa lorota, a mulher pediu o carro emprestado de uma amiga para que ele não a reconhecesse, passando a vigiá-lo, dia sim, outro não. Ela não poderia abandonar o seu trabalho, mas estava ficando louca, principalmente quando dele se perdia. Parecia que o marido sabia que estava sendo seguido. Entrava em uma casa comercial e demorava a sair. Em uma dessas vezes, ela esperou até a hora do almoço quando percebeu que Marilda parara à porta do estabelecimento comercial que o marido se encontrava. Ficou atenta, esperando para ver o que aconteceria.
O marido, olhando para os dois lados da rua, entrou depressa no carro da funcionária da esposa, e os dois se dirigiram à saída da cidade. Percorreram uns 20 km, entraram numa estrada de barro e chegaram a uma bela casa, com piscina e tudo. Sarah esperou à distância, já com os nervos à flor da pele. Passados alguns longos minutos resolveu ir direto para o salão. Lá, perguntou por Marilda, e a resposta foi que a moça só aparecia depois das 15 horas, na hora de sua chegada.
Restava-lhe uma dúvida, aquela casa de quem era? Alguém lhe esclarecera, é de Marilda. Prontamente Sarah pediu para chamarem o contador, que tomava conta da escrituração de sua empresa. Meio desconcertado o contabilista, depois de ser inteirado dos fatos, afirmou que já havia desconfiado que a empregada estava ficando com o que era da patroa, até mesmo o marido.
Sarah dispensou todos os empregados, mandando-os para casa. Era uma sexta-feira, assim, informou-lhes que o salão não abriria no sábado. Pediu para que ninguém atendesse qualquer ligação de Marilda. Sem entender nada, todos foram para as suas casas. Marilda não foi para a sua, mas sim para um hotel de uma cidade próxima. Antes deixou um recado na porta da casa, “Adalberto, suma dessa cidade, não tente entrar em minha casa”.
Passados alguns dias ela ficou sabendo que o marido havia fugido da cidade, levando a ex-colaboradora insuspeitável.