Numa manhã, no Parque das Jaqueiras, Recife/PE, eu estava sentado à sombra de um centenário Ficus, próximo ao Setor 17; no banco ao lado, um idoso de tez cor de jambo, conversava com o neto, com idade aproximada de uns seis anos. Um irrequieto loirinho de olhinhos azuis e vivazes.
-Vovô, quando eu crescer, quero ser um construtor de coisas...
-Por exemplo? Pergunta o Avô.
-Háááá...Vovô! De coisas...
-Dê um exemplo para o Vovô.
-Ah, Vovô! Um portal do tempo... Do tipo daquele que a Luna constrói nos desenhos animados e tal...
-E para que você iria querer construir um “Portal do Tempo”, menino? Para viajar para o tempo dos dinossauros, como ela faz?
-Nããão, Vovô! É para viajar para o tempo em que você era criança, Vovô! Para saber como era e tal...
O avô sorri, passa a mão queimada de sol nos cabelos do neto... Fica um tempo olhando o tronco nodoso da Ficus Italiana... O pensamento looonge... Depois, responde com doçura.
-As crianças no meu tempo de criança, lá no interior da Amazônia, Galeguinho, eram bem diferentes das de hoje... De você!
-Diferentes? De que jeito, Vovô?
-Elas não tinham celulares, tabletes, televisão, videogames... Essas coisas eletrônicas em que vocês vivem grudados! Também não tinham shopping centers, parque de diversões, playgrounds de condomínios e nem pracinhas de bairro... Viviam soltas. Livres como passarinhos!
-Não tinham nada disso, Vovô? E como era viver como um passarinho?
-Não! Não tinham... E viver como um passarinho, era brincar na rua, no campinho, andar de bicicleta pelo bairro... Essas coisas!
-Coitado do Vovô! Devia ser muito “Jaca Torta”, né Vovô? Chaaato..!!!
-Nem tanto, Galeguinho! Todos nós éramos curumins(1) travessos.
-Travessos? Curumins? Como assim, Vovô?
-Curumins Travessos, Galeguinho! Era como os adultos do nosso tempo nos chamavam. É a mesma coisa que menino levado... Menino que não fica parado... Quieto! Entendeu?
-Mais ou menos... E além de não parar quieto, o que mais vocês faziam?
-Ora, Galeguinho, nós brincávamos de carrinhos de madeira, trenzinhos feitos de latas, castelos feitos de barro e garrafas, fazendas de bois... Onde os bois e os currais eram feitos de ossos de galinha, de porco, espinhas de peixe...
-E o que mais, Vovô?
-Nós corríamos uns atrás dos outros nas brincadeiras de “Rouba Bandeira”(2) "Trinta e Um. Alerta!"(3). Subíamos em árvores para comer frutas, nadávamos nos igarapés e lagos... Pescávamos e fazíamos armadilhas para capturar preás e passarinhos... Depois a gente soltava, era só diversão! Passeávamos de canoa nos igarapés e lagos, pescando... Jogávamos pião e bolinhas de gude... Soltávamos pipas... Isso tudo no Verão, que na Amazônia é chamado de Tempo da Seca! E no inverno, que na Amazônia dura seis meses e é denominado Tempo das Chuvas, porque chove sem parar; tomávamos banho de chuva e brincávamos de comandar barcos de papel e navios de lata nas corredeiras que a chuva fazia no meio-fio das ruas... Também gostávamos de jogar bola debaixo de chuva e no meio da lama. Voltávamos para casa todos sujos... Nossas mães não gostavam! E à noite, quando não estava chovendo e tinha Lua, brincávamos de “Passa o Anel”(4), “Cantigas de Roda” e “Contação de Histórias”... A vida das crianças naquele tempo, às vezes, não era muito chata, não!
Ainda abraçado ao velho senhor, o loirinho beijou o rosto moreno e enrugado do Avô e depois falou:
-Parece, Vovô, que você foi uma criança que brincava muito, né Vovô! Acho que eu quero ser um “Curumim Travesso!” – E saiu correndo, aos pulos, pelo Parque da Jaqueira. Subiu pelo tronco de um jovem Ipê, e ficou pendurado pelos braços e pelas pernas em um galho, balançando para lá e para cá; de longe, parecia um miquinho. Rindo a valer, a risada genuína que somente as crianças sabem dar.
Recife-PE
Out/2020
-Vovô, quando eu crescer, quero ser um construtor de coisas...
-Por exemplo? Pergunta o Avô.
-Háááá...Vovô! De coisas...
-Dê um exemplo para o Vovô.
-Ah, Vovô! Um portal do tempo... Do tipo daquele que a Luna constrói nos desenhos animados e tal...
-E para que você iria querer construir um “Portal do Tempo”, menino? Para viajar para o tempo dos dinossauros, como ela faz?
-Nããão, Vovô! É para viajar para o tempo em que você era criança, Vovô! Para saber como era e tal...
O avô sorri, passa a mão queimada de sol nos cabelos do neto... Fica um tempo olhando o tronco nodoso da Ficus Italiana... O pensamento looonge... Depois, responde com doçura.
-As crianças no meu tempo de criança, lá no interior da Amazônia, Galeguinho, eram bem diferentes das de hoje... De você!
-Diferentes? De que jeito, Vovô?
-Elas não tinham celulares, tabletes, televisão, videogames... Essas coisas eletrônicas em que vocês vivem grudados! Também não tinham shopping centers, parque de diversões, playgrounds de condomínios e nem pracinhas de bairro... Viviam soltas. Livres como passarinhos!
-Não tinham nada disso, Vovô? E como era viver como um passarinho?
-Não! Não tinham... E viver como um passarinho, era brincar na rua, no campinho, andar de bicicleta pelo bairro... Essas coisas!
-Coitado do Vovô! Devia ser muito “Jaca Torta”, né Vovô? Chaaato..!!!
-Nem tanto, Galeguinho! Todos nós éramos curumins(1) travessos.
-Travessos? Curumins? Como assim, Vovô?
-Curumins Travessos, Galeguinho! Era como os adultos do nosso tempo nos chamavam. É a mesma coisa que menino levado... Menino que não fica parado... Quieto! Entendeu?
-Mais ou menos... E além de não parar quieto, o que mais vocês faziam?
-Ora, Galeguinho, nós brincávamos de carrinhos de madeira, trenzinhos feitos de latas, castelos feitos de barro e garrafas, fazendas de bois... Onde os bois e os currais eram feitos de ossos de galinha, de porco, espinhas de peixe...
-E o que mais, Vovô?
-Nós corríamos uns atrás dos outros nas brincadeiras de “Rouba Bandeira”(2) "Trinta e Um. Alerta!"(3). Subíamos em árvores para comer frutas, nadávamos nos igarapés e lagos... Pescávamos e fazíamos armadilhas para capturar preás e passarinhos... Depois a gente soltava, era só diversão! Passeávamos de canoa nos igarapés e lagos, pescando... Jogávamos pião e bolinhas de gude... Soltávamos pipas... Isso tudo no Verão, que na Amazônia é chamado de Tempo da Seca! E no inverno, que na Amazônia dura seis meses e é denominado Tempo das Chuvas, porque chove sem parar; tomávamos banho de chuva e brincávamos de comandar barcos de papel e navios de lata nas corredeiras que a chuva fazia no meio-fio das ruas... Também gostávamos de jogar bola debaixo de chuva e no meio da lama. Voltávamos para casa todos sujos... Nossas mães não gostavam! E à noite, quando não estava chovendo e tinha Lua, brincávamos de “Passa o Anel”(4), “Cantigas de Roda” e “Contação de Histórias”... A vida das crianças naquele tempo, às vezes, não era muito chata, não!
O garotinho ficou por um tempo calado... Olhando para a gangorra do Parquinho... Depois, olhou para o Avô e pediu para dar um abraço no ancião.
-Parece, Vovô, que você foi uma criança que brincava muito, né Vovô! Acho que eu quero ser um “Curumim Travesso!” – E saiu correndo, aos pulos, pelo Parque da Jaqueira. Subiu pelo tronco de um jovem Ipê, e ficou pendurado pelos braços e pelas pernas em um galho, balançando para lá e para cá; de longe, parecia um miquinho. Rindo a valer, a risada genuína que somente as crianças sabem dar.
Recife-PE
Out/2020
Glossário
(1) - Curumim: nome que deriva da palavra kuru’mi, da língua indígena Tupi, e que significa menino, pré-adolescente.
(2) - Rouba Bandeira: Brincadeira infantil que consistia, em um espaço na rua medindo em torno de 60 a 80 passos, divididos ao meio. Nos fundos de cada lado, colocava-se um galho de arbusto ou camisa. O objetivo era pegar a “bandeira” do adversário e tentar fugir para o seu lado. Se fosse tocado, ficava parado e somente outro companheiro podia libertá-lo.
(1) - Curumim: nome que deriva da palavra kuru’mi, da língua indígena Tupi, e que significa menino, pré-adolescente.
(2) - Rouba Bandeira: Brincadeira infantil que consistia, em um espaço na rua medindo em torno de 60 a 80 passos, divididos ao meio. Nos fundos de cada lado, colocava-se um galho de arbusto ou camisa. O objetivo era pegar a “bandeira” do adversário e tentar fugir para o seu lado. Se fosse tocado, ficava parado e somente outro companheiro podia libertá-lo.
(3) - Trinta e Um. Alerta!: Brincadeira infantil também conhecida como “Pique-esconde”. Alguém do grupo, com os olhos fechados e com a cabeça encostada na parede ou num poste, contava até 31 enquanto os demais se escondiam. Ao final da contagem, o caçador tentava encontrá-los. Quem fosse visto, estava fora do jogo.
(4) - Passa o Anel: Brincadeira em que, no grupo de crianças, uma era sorteada para passar o anel (uma pedra, tampinha de garrafa ou uma semente). Toda o grupo ficava em círculos com as mãos em concha à frente do tórax. A criança sorteada colocava o “anel” entre as mãos em concha entre as mãos das demais. Em determinado momento, ela deixava o “anel” na mão do escolhido e dizia: “Tome este anel e não diga nada a ninguém!” Depois, escolhia uma do grupo para adivinhar com quem estava o “anel”. Quem errava, estava fora do jogo.