"Macaquitos”
25.03.2018
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Chega ao clube, encontra amigo e fala sobre a viagem ao Chile que estava programando. Eram os idos de 1977.
- Vou pro Chile mês que vem (fevereiro), de carona, ônibus, trem o que der com US$ 500,00 para passar 30, 40 dias, vamos?
- Tá maluco! Só quinhentos dólares, não acredito! - responde o amigo.
- Só indo comigo pra saber se sou maluco ou não!
- Eu vou, quero ver até onde chegaremos com "toda esta grana"!
Mês seguinte começaram a empreitada. Atravessaram o norte da Argentina e chegaram ao Chile. Passaram alguns dias na cidade praiana de "Viña del Mar" onde conheceram o oceano Pacífico com sua beleza selvagem e bruta.
Ali iniciaram a jornada de carona. Iriam descer para o sul do país. Foram cedo para a avenida que já era a estrada com sinal de trânsito na esquina o que lhes favorecia com a parada dos veículos. Ponto elevado com visão maravilhosa da baia, do mar anil, das cristas brancas na das ondas, dos navios enfileirados no porto, do casario multicolorido ao longo da avenida beira mar. Imagem inesquecível!
Admirando a vista ora um, ora outro pedia carona. Então, para camioneta com caçamba aberta na traseira com duas pessoas e o sentado ao lado do motorista coloca a cabeça para fora da janela e pergunta:
- "Para adonde van "- seus cabelos eram bem vermelhos e encaracolados, olhos claros, simpático e amigável. O motorista tinha cabelos negros e lisos, moreno, simpático também. Os dois sorriam ao falar. Eram mais velhos que eles.
- Para o Sul, Puerto Montt
- "También vamos para allá. Suben detrás".
- Gracias - agradece com um sorriso. O amigo quieto pula na caçamba com sua mochila.
- De onde vocês são?
- "Uruguay! Y usted donde ?"
- Brasil!
- Ah, "macaquitos"! - retruca sorrindo "o vermelho" e "o negro" ri com prazer.
Mesmo não gostando do apelido sobe juntando-se ao amigo. Era a primeira carona deles, isso é o que importava!
O dia estava limpo, o céu azul, a temperatura amena com brisa leve e fresca e os dois iam ao ar livre admirando a paisagem tranquila. Os Andes os acompanhavam como uma moldura gelada, imponente e altiva. Maravilhoso cenário.
Por cerca de algumas horas seguiram pela estrada, cruzaram cidades e vilarejos com seu povo simpático, alegre e hospitaleiro quando a caminhonete parou em entroncamento na estrada. Desceram e conversaram sobre seus trajetos que eram muito parecidos, mas com direções diferentes. Ficaram amigos, os quatro. Os uruguaios seguiram para o interior desviando da rota deles que ficaram ali para pegar carona novamente. Não trocaram endereços.
Novas caronas, novas pessoas, novas cidades e aventuras ocorreram nos dias seguintes a esse encontro. Em outro trecho do percurso estavam na beira da estrada e freada violenta ocorreu à frente deles! Era uma caminhonete que dá a ré de forma perigosa no meio da pista e para. Reconheceram o carro e escutaram:
"- Macaquitos, ei macaquitos...." - os uruguaios: "o vermelho e o negro"! Que coincidência!
Pensaram que já estariam bem longe. Pararam o carro como frearam, desceram e se abraçaram. Muita coincidência mesmo se reencontrarem inesperadamente no trecho. O que o destino lhes apresentava!
Subiram na caçamba pela segunda vez, mesmo que ele não gostasse do apelido que lhes deram e seguiram viagem juntos. Já sentíamos-se "em casa" na camionetinha suja e feia.
A Cordilheira dos Andes, por testemunha, acompanhava essa história!
Horas depois ocorreu nova separação em outro cruzamento na pista. Ele pede os endereços, pois queria manter contato, ao que "o vermelho" lhe diz:
"- No, no, no necesita, vamos por el mismo camino y nos encotraremos de nuevo, seguro, macaquito!"- enfaticamente disse.
"- Seguro!" - replica "o negro" sorrindo.
Pela negativa poderiam deixar de ter a possibilidade de continuar com esta amizade que se iniciava de forma peculiar e inusitada à beira da estrada. Torcia ele que viessem a se encontrar novamente, mas achava muito improvável, até impossível de acontecer!
Cada qual em seu caminho e dias depois estavam eles na praça em cidade de Valdívia, onde ocorria o campeonato sul americano de basquete, descansando e ficariam lá para ver o campeonato - Brasil estava na final com a Argentina. Seu companheiro foi a um restaurante em frente para usar o banheiro e demora muito. Estranha ele e resolveu ir ver o que causava tanto atraso. Entra e ouve:
"- Macaquito, ei macaquito....", os uruguaios novamente. Surpresa agradável e inesperada e improvável. Sentou-se à mesa e foram contando suas histórias alegremente, estreitando cada vez mais a amizade momentânea que a viagem lhes dera. Eles não ficarão na cidade, seguirão depois do encontro. Novamente lhes pediu os endereços e a mesma resposta dá "o vermelho":
"- Nos veremos en Puerto Montt! Seguro! Allí intercambiaremos las direcciones. Seguro ".
"- Seguro, si, seguro" - replica "o negro"
Seu pressentimento era de que jamais se encontrariam novamente e nunca mais teriam qualquer contato. O que ocorreu.
Ficaram as lembranças desses momentos fortuitos que passaram juntos, proporcionados pelo acaso imponderável da estrada. Sentiu saudades do "macaquito!" que nunca mais ouvirá de forma tão espontânea e alegre, mesmo que não tenha gostado do apelido.
Não saberá jamais seus nomes, serão sempre "o vermelho e o negro" e ele e o amigo "os macaquitos". Eternamente, como os Andes.
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