Conto das terças-feiras – Viagem bastante desagradável

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 27 de outubro de 2020

Véspera de Natal, Terminal Rodoviário de Belém, 5h20min, saída do ônibus que levaria Carlos até Fortaleza, com chegada prevista para o outro dia às 11h11min, mais de 30 horas de viagem. Tudo transcorria bem, passageiros em seus lugares, metade das poltronas vazias. Ninguém gosta de viajar nessa época, apenas aqueles que estão voltando para casa. Era o caso do personagem dessa história que havia se deslocado até a capital paraense pela primeira vez, para realizar inspeção na filial da empresa para a qual trabalhava.

Os passageiros estavam eufóricos, pois sabiam que passariam a noite de Natal com seus familiares, se tudo corresse bem, é claro, pensou Carlos. Os 73 km primeiros já haviam ficado para trás. Acabavam de passar pela cidade de Castanhal, ainda no Pará. A próxima cidade, onde parariam para almoçar, Santa Inês, no Maranhão, estava a mais de 450 km. Carlos era o viajante mais impaciente, a todo o momento consultava o relógio e procurava no mapa que preparara com paradas, distâncias, horas a percorrer, a cidade anunciada como parada obrigatória. Assustou-se, pois ela ainda estava a mais de sete horas de viagem. Tentou tirar um cochilo, não conseguiu.

A inquietação do moço tinha como motivo o nascimento de seu primeiro filho, que acontecera três dias antes, de parto prematuro. O consolo era que ambos, esposa e filho, estavam bem. No trajeto fazia planos para a noite natalina. Até já havia comprado os presentes da família, um móbile para pendurar no berço do filho e, para a esposa, dois perfumes importados, dos que ela gostava.

Depois de trinta minutos, destinados ao almoço, o ônibus tomou o rumo da BR 316, seriam mais de cinco a seis horas, rodando, até que o ônibus teve dois pneus furados, ao cair em um buraco na estrada. Não havia sobressalentes, foi preciso contatar a empresa, que informara, como solução, a necessidade de esperar até a chegada do ônibus das 14 horas, que já estava a caminho, com 36 poltronas desocupadas, igual à lotação do ônibus que deixara Belém às cinco horas da manhã. Isso corresponderia a um atraso de mais de 20 horas na viagem de Carlos.

Os passageiros reclamaram muito, mas o motorista dizia não poder fazer nada, teriam que esperar. Conformados, dirigiram-se para uma edificação que parecia ser um bar. Não havia acomodação para todos, então se ajeitaram como deu. Não havia o que comer, apenas cerveja, conservada em tonel com serragem e gelo, e cachaça. Naquele pedaço de estrada não havia luz, telefone e quase nenhum veículo passava, apenas caminhões de carga, que não paravam com medo de assalto.

A espera foi longa, mas a alegria foi total quando o ônibus socorrista apareceu na estrada. Todos começaram a tirar os pertences do ônibus avariado, para colocar no que acabava de chegar. Ao entrarem no veículo perceberam que não eram bem-vindos. Os que estavam confortavelmente acomodados em duas poltronas resmungavam, por ter que as dividir com estranhos.

Durante a parada forçada, muitos que traziam lanches e outras iguarias ou frutas, aproveitaram para comê-las. Comeram tudo, e o lixo ficou ali, no terreno do bar. Um dos viajantes aproveitou para vender seus produtos, perfumes. Por mais que não conhecesse as técnicas de venda, o homem conseguiu persuadir alguns incautos que, sem conhecerem a origem do produto, compraram.

A viagem prosseguiu, Carlos, embora bastante cansado e sabendo que só chegaria a Fortaleza depois das 22 horas, continuava preocupado com o trajeto do ônibus e as horas passadas. Quando chegaram a Sobral, no Ceará, ele suspirou, pois faltavam somente as últimas quatro horas para chegar a casa e abraçar o filho e a esposa.

Em dado momento, já escurecendo, algum flatuloso passou a emitir gases, com odor insuportável, embora silenciosos. Para amenizar e melhorar o ar contaminado do veículo passaram a espargir as substâncias aromáticas contidas nos vidros vendidos por um dos passageiros. O ar piorou, o ambiente ficou insuportável, alguém, lá de trás gritou:

— Que perfume fedorento!

O homem, dono dos perfumes, bastante zangado, vociferou:

— Canalha, o cheiro não é do perfume, são os peidos do cara aqui da frente.

O tempo fechou, os dois chegaram às vias de fato, todos foram obrigados a descer do veículo, as janelas e portas ficaram abertas até ser constatado que não havia cheiro nenhum dentro do veículo.

Os dois brigões foram deixados na rodoviária de Teresina. O ônibus prosseguiu viagem, passaram por uma igreja a caminho de Fortaleza, onde estava acontecendo a Missa do Galo. Depois de duas horas da madrugada chegaram ao destino, a cidade estava deserta. Todos satisfeitos, apesar dos transtornos. Carlos correu para casa, abraçou a mulher e perguntou pelo filho que dormia sono profundo. Como pressentindo a presença do pai, a criança esboçou um sorriso involuntário que fez Carlos chorar de emoção.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 27/10/2020
Reeditado em 28/10/2020
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