303 - A Mulher Feia
No usual das histórias de belas e monstros há um denominador comum: a bela supera a aversão ao monstro e apaixona-se por ele. Deixa de o ver fisicamente e agrada-se do seu perfil mental, inteligência ou sensibilidade. A beleza está nos olhos de quem vê, disse o sábio e, a seguir, perguntou: - o que é a beleza? E o interlocutor, procurando conceitos e palavras, acabou por confessar que não sabia. - Um dia conheci uma mulher muito bela, disse Diogo. Tão perfeita, tão ideal, tão cobiçada por todos que preferia não falar para não quebrar o encanto. Isolava-se para garantir a imagem. Quando, cansado de olhar apenas, rompi a distância e a tratei como a qualquer outra pessoa verifiquei que, afinal, conversada não tinha nem sal nem alma e a beleza que parecia abundante acabava na pele, no corpo e na roupa que trazia. – Acontece muitas vezes o contrário, comentou Aníbal. Conheci uma mulher feia para os padrões usuais. Viajava à minha frente e recordo o seu cabelo rebelde, o rosto com sardas, a boca grossa, quase deselegante, as mãos fortes de pele áspera. Olhou-me com tanta intensidade, com total interesse que, no fim da viagem, lhe ofereci um cartão oferecendo-me para um café quando pudéssemos. O café foi tão amistoso que resolvemos jantar juntos e acabámos na mesma cama. Tive naquela a melhor mulher da minha vida! Ela fazia-me sentir o maior, o melhor, o único - E depois? - Perguntou o Diogo interessado. - Depois, casei-me com ela!