“Minha velha”

21.03.2018

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Era um belo sábado ensolarado e quente. Ele e a esposa foram ao centro da cidade trocar alguns presentes de casamento que ganharam meses atrás. Voltando e descendo pela calçada o viaduto perto do estacionamento onde tinham parado o carro, viram um senhor magro, terno e gravata, chapéu - incomum na época - cair fulminado no chão alguns metros à sua frente! Correram gritando para uma pessoa ao lado que não notara o acontecido, estava de costas e alguns passos distante - era um ponto de ônibus.

- Ele caiu! - Ajude ele! - Ajude!- berrou ele. Chegaram e viram que tinha batido a cabeça na mureta da grade do viaduto - estava desfalecido! Disse para a esposa que iria buscar o carro e levá-lo ao hospital mais próximo.

Saiu desenfreado até o estacionamento, entrou no carro, subiu o viaduto de ré e ao chegar viu que ele tinha recobrado os sentidos conversando com a esposa e a pessoa do ponto.

- Vamos para o hospital, entre no carro rápido! Ele entrou ainda meio zonzo, sentando no banco do carona do fusca.

-O que aconteceu?- perguntou ao senhor.

- Senti uma dor forte no braço e no peito, depois não sei, acordei deitado...Era enfarte do coração, deduziu.

- Onde o senhor mora?

- Na Moóca, me leve pra casa, não quero ir para o hospital não, "minha velha" está me esperando.

Foram na direção que o senhor indicava mais para acalmá-lo, mas com a firme intenção de parar em hospital no caminho para que vissem o seu estado. Simpático e falante foi contando vários fatos da sua vida e que era espírita, atuava em um centro ali perto de onde caíra e tinha ido à sessão de todos os sábados. Um hospital passa por eles, ele vira o carro para entrar.

- Não, não vou ao hospital não! "Minha velha" vai ficar muito preocupada e nervosa, vamos pra casa, por favor, estou bem! -disse nervosamente.

- Mas o senhor deve ter tido um enfarte do coração e precisa ver isso! - respondeu ele.

- Não, por favor, não. Vamos para minha casa, lá vou ficar melhor, já tive isso outras vezes e estou vivo! Por favor, vamos pra minha casa, por favor, "minha velha" deve estar muito preocupada, já deveria estar lá. Por favor!- suplicou!

Não teve alternativa, a força da insistência do pedido dele demoveu sua intenção de parar no hospital, sabia que corria alto risco - poderia sofrer outro ataque e falecer no seu carro - mas decidiu atender sua súplica incisiva e decidida. Seguiram no caminho da casa dele e a conversa ficava cada vez mais animada e alegre entre eles.

- O senhor está queimando óleo "30", o motor tá fraco né? - brincando com o senhor.

- Sim e não tem mais retífica!-respondeu. Riram todos.

- É ali a minha casa, olhem a "minha velha" já vem vindo.

- Oi meu querido, o que houve, demorou hoje, aconteceu alguma coisa?

- Tive uns probleminhas e este casal me ajudou, mas tá tudo bem querida.Ela olhou desconfiada para ele sabendo que alguma coisa séria ocorrera, pois não era comum vir de carro com dois desconhecidos.

- Vamos entrar e tomar um café, né "minha velha"? Faz aquele quentinho e gostoso como só você faz, faz pra nós?

Na sala, sentou confortavelmente na sua poltrona, esticou as pernas sobre um "puff" e continuaram conversando como velhos amigos. Sua esposa foi para a cozinha falar com a senhora sobre o acontecido. Demoraram um pouco. Vieram com o bule e xícaras para tomar o café que cheirava muito bem mesmo. Percebeu que os olhos da senhora estavam vermelhos - tinha chorado! Preocupada e tensa foi ao telefone e ligou para a filha.

- Como cheira bem o café da "minha velha", não? Tomaram o café e ela lhes pediu que fossem buscar a filha que morava perto no bairro.

Saíram em direção ao endereço, mas a região era complicada, demoraram um pouco para encontrá-la.

Voltaram com ela e ao virarem na rua da casa dos seus pais, viram que havia vizinhos aglomerados na frente e sua mãe chorava desesperadamente de mãos na cabeça!

- Ele morreu! Ele morreu! Meu velho querido, morreu! - soluçava desolada entre lágrimas.

Ficaram os dois atônitos, chocados e tristes - estava ele bem há pouco, sentado na poltrona, tomando seu café, falante e alegre quando saíram e agora morto!

- Queria dar seu último adeus à "sua velha" e o ajudamos! - falou para a esposa, comovido.

Uma linda história de amor! Inesquecível...

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 24/10/2020
Código do texto: T7094876
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