Uísque
14.03.2018
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Sua descendência por parte de pai viera de italianos originários da ilha mediterrânea de Malta. Guerreiros que enfrentaram os sarracenos, ou mouros, durante as cruzadas e que imigraram para a costa italiana na região da Calábria, em cidade encravada nos seus penhascos, vila de pescadores, região pobre e atrasada do país.
Lembra que seu tio, irmão mais novo de seu pai - o "caçula", foi atrás dos ancestrais e descobriu o "brasão" da família - o tinha enquadrado na parede da sua casa, e seu pai, de forma jocosa e brincalhona, dizia que "arranjara" este brasão para "enobrecer a família", pois eram do sul da "bota", considerados pobres e atrasados e vulgarmente chamados de "carcamano", o que o brasão mostrava que não, como lhe dizia o irmão!
Tinham os dois irmãos forma característica de se cumprimentarem no dialeto Calabrês, o que lhe parecia uma brincadeira, e era, o que o marcou de forma querida e alegre, original para sempre. Diziam ao se verem:
- Che dice?- perguntava um.
- Alice!- respondia o outro.
Eram inseparáveis, os dois!
Gozadores e brincalhões gostavam de pregar peça um no outro, coisa típica da raça e que presenciou varias delas na sua infância.
Encontravam-se pelo menos uma ou duas vezes por semana e se falavam quase todos os dias por telefone - iam ao supermercado fazer compras ou somente passear, abriam e comiam chocolates, frutas nas gôndolas e não pagavam, atitudes típicas de moleques que sempre foram, e eram ainda!
Seu pai faleceu, e três meses depois o "caçula" também o acompanhou, talvez com saudades de não ter mais com quem fazer as "artes" infantis.
Inseparáveis!
Como acontece em todas as famílias italianas - os almoços aos domingos, de tomarem antes um aperitivo nas suas casas ou nas dos parentes - ele curtia estes encontros, eram engraçados, falatórios em altos brados, risadas, típicos de "carcamano".
Gostava seu tio de uísque e vinha às vezes na sua casa, tomava uma dose, duas no máximo com seu pai, ele junto observava a conversa, as risadas, os "seus assuntos". Dizia-se o tio ser entendido, todo "posudo", com ar de grande conhecedor, falava do paladar, do aroma, da acidez, sempre elogiando o "scotch" de ser único e maravilhoso!
Em um destes domingos que ele viria, seu pai lhe falou que seu tio não entendia nada e mostraria como, o que o deixou bem curioso, pois não imaginava como comprovar.
Acompanhou com enorme curiosidade e atenção o que ele começou a fazer: pegou uma garrafa vazia das que já tinham tomado e da marca que o tio gostava, mais garrafas de uísque nacional e uma de escocês com alguma bebida, misturando-os até cerca de dois terço da vazia e a deixou no bar que ficava na sala de jantar da casa, à espera do "entendido".
Chega ele, cumprimentam-se ,"Che dice - Alice", e pergunta onde está o uísque maravilhoso para tomar uma dose antes do almoço. Seu pai pega os copos, a "garrafa batizada" e serve uma dose. Tomam. Saboreou o gole, estalou a língua e falou com muita pompa e circunstância:
-Que delicia este uísque, que sabor, que aroma, desce como um veludo, maravilhoso, só podia ser escocês!
Atônito pela cena que presencia, rindo por dentro, atesta o que seu pai lhe dissera ! Este lhe pisca o olho e vira para o irmão:
-Você não entende nada de uísque mesmo, é metido a entendedor só! Misturei três nacionais nesta garrafa com um pouco de escocês , apontou para seu filho - ele presenciou, e você acha uma delícia, rindo!
O irmão não perde a pose, sorri e desconversa, muda de assunto, mas não toma mais outra dose!
Não pôde rir da cara que seu tio fez, mas a situação foi muito engraçada, típica do espírito que tinham os dois irmãos, de molecagem!
Deste dia em diante, toda vez que ele ia à sua casa e tomava , mesmo o "scotch" original que seu pai abria a garrafa na hora, falava:
-Mas que porcaria de uísque é esse, batizado também? - riam os dois e tomavam suas doses.
Este fato ficou famoso na família e sempre se falava dele. Inseparáveis e agora eternos.
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