“Olhos negros e a camisa branca”

02/03/2018

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Entra no vagão do metro abarrotado de gente, ficando espremido na porta. Gente de olhar vago e longínquo nos seus pensamentos, escutando em silêncio música com fones de ouvidos, teclando mensagens nos celulares, dormindo, conversando, na fuga diária da realidade de trabalhar para sobreviver na metrópole. A rotina da cidade do trabalho sem vida que não para.

Antes de entrar, esperando sentado junto a uma moça ao seu lado a chegada da composição, surge outra esbaforida, gordinha, calça preta e camisa branca, celular na mão perguntando à ao seu lado, o que ele não escutou bem, informação de direção que não sabia como ir. Ela explicou. Chegou o trem, lotado.

Subiram no vagão ele e a "camisa branca". A outra, em outro, se juntou à massa. Ele se ajeitou entre todos e viu, ao olhar para o lado, linda menininha morena de cabelos encaracolados com seu pai de mãos dadas, cantarolando feliz e absorta na sua pureza infantil. Seus lindos e grandes olhos negros o encararam fugazmente.

Sorriu para ela, que sem graça, ficou por instantes desviando dos seus, mas com sorriso neles por tê-la notado. Continuava a cantarolar, o olhava por segundos com os grandes olhos negros e brilhantes, alegres e puros. Lindos!

Chega à sua estação, vira para junto da turba ansiosa por sair, porta se abre e desembestam em manadas de tipos, cores, tribos, credos, desenfreadamente para chegar ao trabalho ou a conexão com a outra linha. Passos de sons agudos, graves, de saltos, de botas, sandálias, de todos os tipos se ouvem no silêncio do caminhar agitado dos que se enfileiram, se tocam, se desviam como um balé frenético e descompassado, ele junto neste tumulto organizado ,uma sinfonia maluca e caótica da turba de gente. Onde estarão os lindos "olhos negros"? Não estão naquela multidão, ou saíram, ou ficaram no trem. Tinha esperança que pudesse revê-los, quem sabe encontrá-los no seu trajeto, o que não aconteceu. Ficarão na sua lembrança os "olhos negros".

Nas escadas rolantes, com todos se ajuntando em blocos de espera para pisar nos degraus, que mais parecem línguas metálicas saindo do chão, sobe para as passarelas rolantes. Para nela e observa os que passam por ele no seu caminhar ansioso, os altos, baixos, gordos, magros, brancos, negros, mulatos, enfim a população com sua beleza característica de povos misturados de várias regiões, descendências, credos, o seu povo! Visão interessante e forte.

Olha para trás ainda na esteira e vê a "camisa branca" quase nas suas costas, que coincidência! Termina o trajeto, vai para a saída, ela do outro lado na área de embarque a pegar o trem para seu destino que até então era desconhecido. Vê um vulto à frente de costas, parecendo o pai e a "olhos negros".

Fica animado, olha com cuidado, chega mais perto. Não era - mãe e filha morena embarcando no trem que chega. Foram todos, a "olhos negros", a "camisa branca" e ele, cada um para o seu destino.

E a vida segue na caótica cidade do trabalho sem vida, que não para.

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 19/10/2020
Código do texto: T7090827
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