“Bom agouro”

28/02/2018

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Esperou o dia todo pela chuva. Dia quente e abafado, sufocante!

Olhava o céu a sua procura. Viu as andorinhas que voavam na sua forma característica, rápida e desencontrada, alegres, o ir e vir sem objetivo em círculos longos. Teve esperanças.

Sim, disse pra si, confirmado pelo voo ágil e feliz delas, como companheiras e amigas que eram, o sinal de bom agouro. Sentiu inveja da sua liberdade sem barreiras

-Vai chover hoje - disse ao porteiro entrando no seu prédio ao fim do dia.

- Será? Acho que não - respondeu ele com a certeza de quem conhece o tempo.

Sairia à noite em encontro com um grande amigo. Entardecendo, olhos no céu ao longe, a procura de algum sinal de que choveria. A previsão dizia que a frente fria chegaria ao fim da tarde, início da noite, mas nem sempre acontecia. O vento mudava, aumentava pouco a pouco, vinha do sul, parecendo confirmar o previsto. As andorinhas não mais voavam; preparavam-se para a chuva.

Foi ao encontro do amigo comer pizza com cerveja. Dia tórrido, insuportável, e nada como uma "bem gelada" para domar o espírito e o calor interior.

Gostava dela gelada estupidamente, e com que prazer tomava! Refrescava e lhe acalmava a existência na fuga alcoólica da realidade.Ficava alegre, solto, livre. E vinham as andorinhas com a sua chuva no seu pensamento. Sorria plácido e embriagado, vai chover sim confirmava consigo mudo.

O velho amigo e irmão, que ficara paralítico há alguns anos em acidente de carro, na cadeira de rodas o acompanhava nesse ritual. A vida lhe aplicara um castigo supremo!

Era independente, rebelde e forte, muito forte, mesmo que a sorte lhe fora cruel e injusta, diabólica até. Seguia sem lamurias ou queixas da sua situação. Espírito invejável que o encorajava a encontrá-lo.

-Vai chover à noite, tenho certeza.- disse ao amigo paralitico.

-Vi andorinhas voando hoje confirmando e sei que é sinal de bom agouro! - completou.

-É mesmo? Eu não sabia. Quem te falou isso.- respondeu o cadeirante.

-Meu pai. Dizia que dão sorte quando voam perto da gente e se na nossa casa fazem ninho, mais sorte ainda!

-Não sabia! Interessante, vou ver se tem andorinhas no meu caminho, quem sabe elas agora aparecem, não?

A cada quinze dias se viam e compartilhavam sentimentos que os ajudava a enfrentar os seus desafios. Falavam de si livremente e melhor se sentiam, desabafando os seus temores e as suas deficiências.

Quente, muito quente continuava a noite e a cada copo que descia, gelado, a conversa animava, inflamava as vozes, os sons de todos crescia e inundava o ambiente. Alegria era geral,as vozes altas,as risadas,e todos ali na sua fuga e confissão estimuladas pelo álcool.

Terminaram o encontro. E no ritual da volta, da ajuda, do empurrar a cadeira de rodas, de guarda-la no carro e no aguardar da sua entrada no veículo - ele sempre dirigia o automóvel (achava maravilhosa a sua independência ) - olhou o céu a procura da sua chuva,que até ali não se manifestara, ainda. Despediram- se.

Em casa empanturrado, com a mãe no seu ofício cotidiano de novela,com os sons e as perguntas de sempre, para a noite se preparou. Da sua janela via a cidade animada, as pessoas na padaria da esquina, as mesas na calçada, o falatório alto, as risadas, a emoção, as luzes nas janelas dos prédios e dos carros que corriam pela noite como um caleidoscópio colorido, que a cada hora mais iluminava o seu esperar. Observava.

Deitou e dormiu. A noite ia alta, e na madrugada, foi acordado com o zunido forte nas frestas da janela, do vendaval que a açoitava, o cheiro acre da umidade, a força que tinha a natureza na chuva anunciada que chegava. Quanta vida ela despeja!

Virou-se de lado na cama aconchegante e sob as cobertas, aninhou melhor o seu corpo e voltou a dormir, confiante e confortado, pois a ela chegou, como tinham apregoado as andorinhas.

Elas eram de "bom agouro" mesmo!

22.10.2002 - 28.02.2018

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Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 18/10/2020
Código do texto: T7090183
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