PEGUE UM BOMBOM, TIA JACY

Sempre que a Páscoa se aproximava, era gostoso ver meu pai e minha mãe confeccionando aqueles ninhos bonitos e coloridos, que em breve acolheriam os ovos e bombons de chocolate que nos seriam ofertados no dia da ressurreição do Senhor. Eles dividiam as tarefas: enquanto o pai cortava o papelão em retângulos e círculos, a mãe fazia as tiras encrespadas de papel de seda para serem coladas nos ninhos, cada um deles com seu formato próprio e com a cor preferida dos filhos. A quantidade de ovos, coelhinhos e bombons era exatamente a mesma para todos, pois a última coisa que eles queriam era ver um de nós sentindo-se preterido ou prejudicado. Assim sendo, só variavam mesmo o design e a coloração dos ninhos.
Naquela bendita páscoa do ano de 1960 em Curitiba, tinha sido farto o chocolate, com nossos ninhos extravasando delícias. Claro que íamos comendo aos poucos, porque nenhuma criança tem fígado de aço, muito menos apetite de leão. Além do mais, nada como esticar o prazer da degustação por muitos dias. Só que algo incomum ocorreu três dias depois da páscoa: nossa mãe havia reunido lá em casa suas irmãs, cunhadas e primas, para uma confraternização familiar. Minha irmã Nirinha estava com oito anos, e fiquei muito surpreso quando ela entrou na sala de estar com o ninho nos braços, distribuindo generosamente chocolates e bombons. _”Tia Nice, pegue esse sonho de valsa!”. _”Não querida, fique pra você, coma um pouco cada dia que assim vai aproveitar por bastante tempo”._”Não, tia, que é isso, pode pegar!”._Que boazinha...então vou pegar um, obrigada!”. E seguiu em frente, abordando alegremente todas as demais parentas, sempre com suas ofertas generosas._“Que amor de menina, que boazinha, é difícil ver uma criança assim..!”, externou admirada uma das tias. E minha irmã toda faceira, cada vez mais abnegada.
Até que chegou a vez da tia Jacy, que vinha observando a insistência dela com cada uma das presentes, e as recusas carinhosas de muitas delas. Ela foi bem firme:_”Olha, Nirinha, não adianta você insistir que eu não vou pegar, de jeito nenhum vou comer o teu chocolate..!”. Mas minha irmã não se deu por vencida:_”Tia, por favor, pegue só um, por favor...”. Eu não estava acreditando no que estava vendo, ela nunca tinha sido altruísta daquele jeito, tão desprendida que até cheguei a pensar que estava tendo um treco. Tia Jacy continuava irredutível:_”Puxa, querida, fico até sem graça, mas por favor não insista mais, que eu não vou pegar. Não quero que acabe teu chocolate, depois você vai ficar sem nada!”. _”Não tia, pode pegar sem medo, não se preocupe que esse ninho não é meu, é do meu irmão. O meu tá escondido lá no armário do quarto!”.
Hehehehehe, agora estava explicado...ela estava fazendo gentileza com o chapéu alheio..! Foi uma tia atrás da outra tentando devolver os chocolates para o ninho de origem, mas sem sucesso, porque muitos já tinham sido consumidos. Minha mãe achou por bem eliminar qualquer resquício de culpa nas suas convidadas, e até mesmo na Nirinha: pediu que eu fosse até a mercearia da esquina comprar alguns bombons pra repor o estoque do ninho do nosso irmão mais velho - que sem imaginar que poderia se tornar vítima de um desfalque, distraidamente tinha deixado o seu ninho sobre a cama e saído com os amigos pra jogar futebol.
(Marco Esmanhotto)
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 17/10/2020
Reeditado em 17/10/2020
Código do texto: T7089509
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