“Caminhada de solitários“
27.02.2018
06
Acordou mal naquele dia. Sentiu-se solitário. Sua mãe também não dormira bem. Moravam os dois no apartamento. Levantou ela antes de seu horário habitual - sempre dormia até quase o meio da manhã, e cedo estava de pé? Ele estranhou.
No café, diz ela contrariada e irritada:
-"Que noite tive! Dente é um a droga, doeu a noite toda! Vou ligar agora pra dentista e ir lá".
Escutou mudo e pensou nas suas dores, sem paciência para esses assuntos, em dias que não se sabe do porquê de sair da cama.
-Hoje vai ser pesado! Terminou e saiu rapidamente, fugindo do problema.
Entra no elevador já com moradora de andares que não sabia qual. Dá bom dia. Ela lhe responde furtivamente. Esquisita, de poucas palavras e agitada, cantarolava uma musica baixinho. Seguiu mudo, descendo, contando andar por andar. Chegam afinal no térreo. Alívio...
Sai ela na frente, lhe dando um "tchau" de canto de boca e olhos. Com curtos e rápidos passos ela caminha e para na guarita. Começa a falar desenfreadamente com o porteiro.
Mais atrás, vem ele sem muita convicção ou determinação, dá seu "bom dia" trivial a eles e cruza o portão de grades do prédio. Livre. Fica ela no papo sem importância na portaria do prédio. Solitária, deduziu.
Chega à esquina da rua e para, farol está fechado para cruzá-la. Fixa o olhar em um cachorro que vem na sua direção, vira-lata de rua, pelagem curta e mal tratada, mas bonitão e encorpado, cara de bons amigos. Simpático. O encara com olhos meigos e pedintes, abana seu rabo de anzol sorrindo amigável, querendo companhia ou alguém. Outro só também!
Parados no sinal, o cão atrás, respeitoso como se fosse seu dono, e ao abrir, atravessam a rua em perfeita harmonia e cadência fazendo com que uma senhora, que cruzava com eles, notasse a sua "amizade solidária e momentânea", sorrindo indulgente e carinhosa com a cena.
Segue com ele de escolta ao seu lado, e ao passar pelo mercadinho, foi o cão parando e ficando, ficando, pois comer é o interesse maior nas questões de sobrevivência, apesar da companhia camarada de momento que tinham tido até então. Ficou olhando para as pessoas que entravam no mercado, abanando o rabo amistoso, sedutor. Faminto.
Continuou sem o cão e não achou ruim a separação. O breve encontro deu-lhe alento e consolo para suportar um pouco mais sua solidão. Sentiu-se melhor.
Foi boa, muito boa a curta caminhada de solitários que tiveram.
https://blog-do-cera.webnode.com/