MEU COMPANHEIRO “JUAREZ” – A CATITA EQUILIBRISTA

MEU COMPANHEIRO “JUAREZ” – A CATITA EQUILIBRISTA

Autor: Moyses Laredo

Invariavelmente às 02:00 da madrugada, ele aparecia. À princípio tímido e assustado, não confiava em nada, qualquer movimento suspeito, na concepção dele, fugia espavorido, como se quisessem comê-lo, ia, mas voltava, tão rápido como saíra, ficava assim, eu me desligava dele para não me atrapalhar.

O nosso primeiro encontro, foi casual, nem o notei de primeira, porque sempre que estudava, baixava a cabeça, e meu mundo sumia. Acho que ele, já devia me observar há muito tempo, gostava talvez do meu silêncio, isso não interferia com sua rotina de vida. Quem sabe, tenha achado que eu era um bom humano, por isso, sempre me visitava, creio eu. Nessa época, estudava para o vestibular numa mesinha de uma pequena sala, na casa dos meus pais. Por sobre a dita mesinha, pendia um abajur com luminária de bacia emborcada, pintada de verde por fora e branca por dentro, aquelas que chamam de platô, isso porque, concentrava a luz somente na mesinha, sem desperdiçar luminosidade. O fio grosso encapado, que pendia do teto, antes de alcançar a luminária, fazia dois seios, dando um pequeno charme na instalação. Por eles, o amigo Juarez, fazia suas acrobacias, por vezes, até ficava de costas, segurado apenas pelas mãos e pés, me deixava tenso, um verdadeiro artista equilibrista, acho que mais queria se exibir.

Certo dia, estava eu a lanchar umas bolachinhas com sabor de queijo, que exalavam um cheirinho forte e agradável, daquelas tipo snacks, resolvi tentar o amigo, coloquei algumas migalhas sobre a luminária, que ficava a poucos centímetros da minha cabeça, achei, que ele as recolheria assim que eu saísse do ambiente, porque era de fato muito arisco, mas, para a minha surpresa, o sacrista, desceu, poucos minutos depois, pelo cabo, resoluto e firme e parou perto da luminária, olhou assustadamente para os lados, para mim, movimentando repetidamente a cabeça pra cima e pra baixo, levantou o focinho com fungadas rápidas, mexendo os longos bigodes, querendo sentir o ar à sua volta. A minha reação, foi a de total imobilidade, mexia apenas os olhos observando-o e o acompanhando, pude perceber que, possuía duas cores, o cinza por sobre o dorso e o branco na barriga, as patinhas lisas como se estivesse de luvas, e os bem definidos dedinhos. Por causa da sua camuflagem foi difícil percebê-lo no alto, quando se equilibrava nos seios do cabo da luminária.

Ele já estava familiarizado comigo, assim, desceu sem receio, de uma só vez, pegou uma pequena migalha, segurou com as duas mãos e começou a comer ali mesmo, descaradamente na minha frente sem o menor pudor e nenhum temor, tinha perdido o medo e a vergonha, achei super interessante, de imediato ganhou o nome de Juarez, pois achei-o com cara de Juarez, assim mesmo, sem nenhum motivo aparente. Eu sempre gostei de dar nome aos meus animais, o meu cavalo se chamava Trini López, minha cadela, Brigite, o meu garnisé aristides, e ele não seria exceção, já o considerava um amigo de estimação, me fazia companhia sempre. Imagine você na solidão da noite, a bom se concentrar, com fórmulas e os conceitos enfadonhos, quando, subitamente surge uma distração, que libera sua mente. Ele chegou, à princípio, sem interesse, foi assim que se aproximou, não ofereci-lhe nada, nenhuma recompensa, depois que o conheci, foi que comecei a presenteá-lo com quitutes, queria que voltasse, já sentia sua falta naquele horário, e foi o que ele fez. Invariavelmente, vinha naquele mesmo horário, acho que era quando a sua mãe dormia e ele fugia para se encontrar comigo, coisas de dois adolescentes, ele e eu. Nossa amizade ficou escancarada, sempre nos respeitamos, eu até já podia me movimentar que ele não mais se importava, levantar da cadeira para pegar um livro e lá estava o Juarez a me observar, talvez, na esperança de ganhar alguma guloseima.

Num domingo, vieram dois amigos vestibulandos, estudar comigo, uma moça e um rapaz, estávamos concentrados em nossos exercícios e nem me dei conta do horário de nosso encontro, mas, como tinha visitas achei que o Juarez não ousaria se mostrar. Não foi bem assim, no mesmo horário, lá está o cara pendurado no fio, nesse momento, a amiga me deu um leve chute por baixo da mesa e disse baixinho, “- Olha, olha tem um ratinho descendo pelo fio da luz”, enquanto ela falava eu permanecia de cabeça baixa tentando resolver um exercício miserável de cálculo, sabendo eu, que nunca iria precisar daquilo na vida. Respondi-lhe, “- Ele é pequeno, cinza em cima e branco em baixo?”, veio a resposta de imediato, “- Sim!” “- Deixa! É o Juarez, amigo meu”, ele veio buscar a merenda dele em cima da luminária. Agora tinha ganhado a atenção do outro colega, que imediatamente levantou a cabeça para conferir a história, com a expressão de puro espanto disse: “- Mas não é que é mesmo?”...enquanto isso, o Juarez impávido, continuou ao que veio fazer, pegou as migalhas que eu havia previamente colocado na luminária, olhou pra todos, um por um, e se mandou apressadamente, acho que não se deu bem com os meus colegas, porque naquela noite não mais retornou. Todos ficaram rindo da presepada, fazendo todo tipo de perguntas, mas, depois tivemos que voltar a nos concentrar nos cálculos infernais.

Nossos encontros continuaram por um bom tempo, até que um dia minha irmã mais nova, ganhou um gato muito esperto que miava incessantemente pela casa, desse dia em diante, o Juarez se ofendeu comigo, achou que tinha sido eu que trouxera o gato, por isso nunca mais apareceu, sua mãe deve ter-lhe dito. “- Não te disse?... esses humanos não são confiáveis!”, ou, na pior das hipóteses, o gato da minha irmã lanchou o coitado do Juarez, nunca se saberá.

Molar
Enviado por Molar em 14/10/2020
Reeditado em 14/10/2020
Código do texto: T7087379
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