Conto das terças-feiras – Chegada da televisão na roça
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 13 de outubro de 2020
Família gaúcha, composta de pais e dois filhos, um menino e uma menina. Muito cedinho os pais, acompanhados pelo filho, saíam para a roça, cuidar de seu pedaço de terra, onde plantavam trigo, milho, soja, hortaliças, bergamota, uva para a produção de vinho para uso pessoal e, também, criavam gado leiteiro.
A menina sempre ficava tomando conta da casa. Fazia a faxina, que não era lá essas coisas, pois a casa era pequena e lavava roupa, sem muita reclamação. O problema era na cozinha, não tinha vontade de aprender, não gostava. A dificuldade na realização dessa tarefa piorou porque chegara à cidade antenas para transmissão de televisão. Algumas lojas já vendiam o cobiçado aparelho mágico, que mostrava imagens em preto e branco de artistas que só eram conhecidos por meio de jornais e revistas, quando alguém emprestava para a família. Na casa havia rádio, que era ligado quando os pais, católicos, queriam assistir às missas, geralmente às 18 horas.
A transmissão de programas de TV, no Rio Grande do Sul, aconteceu em dezembro de 1959, com sua programação inspirada na rádio da capital. Mayla, a garota sonhadora de nossa história, morava no interior. As primeiras imagens, fora da capital, passaram a ser captadas a partir da década de 1980, com a instalação de antenas retransmissoras, possibilitando aos habitantes interioranos o prazer de desfrutar de excelente invento.
A menina tomou conhecimento dessa maravilha passando a perturbar o pai para que comprasse um televisor. Ela nem tinha visto um funcionando, só sabia pelos relatos das amigas que, vez por outra iam à cidade e traziam novidades. Ela prometia aos pais de um tudo para ver concretizado o seu sonho de conhecer os artistas de sua adoração. Embora só tivesse doze anos sua cabecinha já sonhava como adolescente, pensava em namorar, casar e sair daquela vida na roça. Fantasiava, dizendo que, a qualquer dia, seria levada por um príncipe para bem longe dali. As amigas acreditavam e a incentivavam.
De tanto pedir, um dia, o pai, depois de ver na loja o que a menina queira, resolveu comprar aquilo que ela chamava de TV. Sua entrada na casa foi uma alegria. A garota correu para determinar o local onde a boa nova seria colocada. Ela sabia tudo sobre aquilo que seu pai chamava de geringonça. O altar foi armado na pequena sala de visitas, com certo esforço cabendo lá. A animação na menina durou pouco, a recomendação da mãe era que o aparelho só poderia ser ligado na parte da tarde, depois do almoço e da volta da escola, que ela frequentava das 13 às 17 horas. Ela também não poderia assistir à TV quando estivesse fazendo o almoço, para não queimar a comida. O fogão era a lenha.
Naquele dia, a televisão só foi ligada à noite, quando todos já estavam em casa. Na manhã seguinte, Mayla tentou ser esperta, ligava o aparelho e a cada hora colocava a mão no tubo de imagem, para ver se estava quente. Ela desconfiava que a mãe empregaria o mesmo método. Quando quente, a TV era desligada e ficava assim até o tubo esfriar, quando então era religada. Fez isso por toda a manhã, até próximo à chegada da família para o almoço.
Como desconfiava, sua mãe, ao chegar, dirigiu-se para a frente da televisão. Levantou o pano que a cobria e pôs a mão para verificar a temperatura do aparelho. Constatando que estava frio, não falou nada. No outro dia, a mesma cena, mão no tubo, que estava frio. A menina, satisfeita com o resultado de sua proeza, insistia e assistia televisão todos os dias, sem receber repreenda nenhuma.
Já a mãe, desconfiada que algo estivesse ocorrendo, pois conhecia as teimosias da filha, resolveu experimentar um novo método de aferição da temperatura do aparelho, não levantou o pano e nem colocou a mão sobre o tubo de imagem. Foi com a mão diretamente para a parte posterior da geringonça e percebeu que ela ainda se encontrava quente. Virou-se para a menina que, nervosa, assistia à mãe mudar o seu método de verificação da temperatura do único prazer diário da garota.
Naquele dia a mãe, furiosa, mandou o pai devolver o maldito aparelho, desfazendo o mundo encantado da filha. Ela não fez cara feia, não almoçou, não chorou e emudeceu durante todo o resto do dia. Já pela manhãzinha do dia seguinte, antes que os pais acordassem, pegou algumas mudas de roupa, colocou em uma sacola e saiu pelo mundo. Nunca mais voltou para casa, foi em busca de seu príncipe encantado.