MEU GALINHO GARNISÉ E AS SAÚVAS CORTADEIRAS

MEU GALINHO GARNISÉ E AS SAÚVAS CORTADEIRAS

Autor: Moyses Laredo

Plantei um coqueiro no pátio da frente de casa, bem ao lado da garagem. Era um espaço pequeno que sobrava, mas, o suficiente para um coqueiro, fiz as medidas, escavei e plantei a mudinha. Adubada convenientemente, cresceu e floriu à base de xixi da meninada e sal de cozinha furado com lápis e posto no olho do galho. Quando adulto, começou a despontar uns cachinhos, mas ao mesmo tempo, começaram a aparecer umas formigas (saúvas) cortadeiras, que se danaram a comer as folhas do recém aparecido coqueiro, que sequer tinha alcançado a altura do muro. O ataque foi brutal, sem chances para ele, que imóvel, a tudo assistia sem poder fazer nada. Eu deparei com aquela cena devastadora quando percebi a fileira delas rumando para uma casa no quintal vizinho, através de um buraco no pé do muro lateral, cada uma, com um pedacinho da tenra folha, cortada com suas poderosas mandíbulas. Não tinha mais como conter aquele ataque, então, partir para a engenharia. Vendo que elas subiam e desciam pelo caule do coqueiro, resolvi envolver o dito cujo com uma folha de flange e lambuzei com óleo para tornar a superfície lisa, sem aderência. Isso resolveu por um curto período, depois que o óleo secou, elas conseguiram fazer um caminho arrodeando o flange como um espiral e a devastação continuou, fiquei assim, colocando óleo e elas atacando. Queria evitar o inseticida, coisa que tive que recorrer após essa pequena derrota. Fui numa loja do campo e comprei um veneno específico que me recomendaram, apliquei-o com um leve sorriso no rosto, como quem diz, “agora, vocês vão ver com quantos paus se faz uma jangada”. Sai para o trabalho, à tardinha ao retornar, nem pude acreditar nos meus olhos, o grupo tinha aumentado, agora não era só uma fileira, eram duas que se entrelaçavam, de mão e contra mão, como se tivessem recebido uma ordem sumária do seu comando, para acabar com o coqueiro naquele dia. Fiquei estarrecido com a visão, não acreditei que seria vencido por elas dessa maneira. O que fazer?

Nesse ponto da história entrou em cena o “aristides”, um galinho garnisé, que tinha sido enjeitado pelo caseiro porque veio enganado na leva de ovos para abastecer a chocadeira, estava entre os outros ovos galados que compramos dos nossos vizinhos, para povoar o galinheiro. O “aristides” veio junto. Quando novinhos, os pintinhos são iguais, depois, que todos se desenvolveram, o caseiro percebeu que menos ele crescia, que só comia, comia e não crescia, havia algo de errado com isso, disse o caseiro, - “Acho que é do tipo “galisé”, ou “galinha-da-índia”, respondi-lhe que até poderia ser mesmo, mas no fundo eu já desconfiava ser um galinho garnisé, como eu conhecia por esse nome, de qualquer modo, tinha que retirá-lo da tropa, ele iria atrofiar todos os outros, quem já criou sabe disso, são muitos férteis, por essa razão, precisava tirar ele do meio delas antes que crescesse. Acontece de cara me afeiçoei a ele, de fato é uma gracinha, mas pela miniatura, que se parece com aqueles galos do tempo portugueses, que mudam de cor conforme a umidade do ambiente. Diante da sentença de morte, resolvi trazê-lo para pensar no que fazer depois, o coloquei dentro da picape e toquei pra casa. Ele ficou dentro do carro por um par de horas, depois que cheguei, esqueci-me dele completamente, quando lembrei, corri e o tirei de lá. Estava bem, o coloquei no pátio e fui pegar água e alguns farelo para que comesse. Quando retornei, o que vi, me espantou, o “aristides”, até então sem nome, estava feito um desesperado batendo com o bico no cimento, toc, toc, toc sem parar, parecia um martelete descontrolado, cada bicada era uma saúva a menos, a velocidade com que as apanhava, não dava para se perceber a olho nu, só se eu filmasse em câmara lenta. Rapidamente, ele encheu o papo, mesmo assim, não parava. O papo foi aumentando, aumentando que cheguei a pensar que iria estourar, foi aí que eu resolvi batizá-lo de “aristides”, lembrei-me de um operário, que a função dele era quebrar concreto, ou, uma viga, ou mesmo, uma parede para demolir, até quebrar blocos para fazer agregado graúdo. Para essa função, podia-se contar com ele, era uma fúria descontrolava, parecia que brigava com a pedra, vi algumas vezes, as marretadas que tomava na mão, quando errava a talhadeira, a lasca subia, e o sangue descia, mas, só parava quando o serviço estava acabado. De modo que, achei apropriado batizar o meu galinho garnisé de “aristides” (minúsculo mesmo) porque era a mesma fúria com que ele atacava as saúvas, que me fazia lembrar do Aristides verdadeiro. O peguei e o tirei dali, do meio delas, encerrei-o numa caixa de papelão, porque a noite já caia, embora ele não se desse conta. Olhei para os lados, não vi muita diferença no declínio do sauveiro, então percebi que, a briga seria feia para acabar com elas, e um só “aristides” não daria “vença” como diziam, aliás, notei que o frenesi das saúvas até aumentou, acho que foi dado algum tipo de alerta entre elas. Logo, pensei em ir na chácara no dia seguinte para ver se havia outro irmão dele perdido por lá, para vir ajudá-lo nessa missão impossível.

Pela manhã, depois de soltar o “aristides” no pátio e garantir que a Brigite, uma fila brasileira que mantinha a guarda da casa, não o devorasse, apresentei-o e a deixei que o cheirasse por completo, era assim que eu a apresentava aos amigos que me visitavam, estendia-lhes a mão e a deixava cheirá-las, assim, tinham a permissão dela para entrar. Depois desse ritual, segui para a chácara e ao questionar o caseiro, me respondeu que, infelizmente não havia mais nenhum “galisé”. Tudo bem, acho que o “aristides” vai dar conta, talvez demore mais um pouco, mas, tenho certeza que ele vai se virar, vou ver quando chegar para o almoço.

Quando retornei, já senti uma enorme diferença, ou porque as saúvas se retraíram, ou porque o “aristides” estava fazendo a parte dele, conferi pelo enorme papo que se destacava abaixo do seu curto pescoço. A partir desse dia, as coisas mudaram radicalmente, não se via mais a procissão interminável das saúvas, desfilando impunimente pelo pátio, todas sassariqueiras, cada uma com seu quinhãozinho no bico, do meu querido coqueirinho a bom me desafiar, fazendo pouco de mim, balançando suas cinturinhas de vespa provocativamente. A coisa desta vez mudou, embora ainda se visse, aqui e acolá, uma ou outra que se arriscava heroicamente a cruzar a linha da morte, mas, era apanhada velozmente pelo ágil bico do “aristides” e perecia antes de alcançar a entrada do sauveiro, esse exercício deixava o pobre do “aristides” exausto de correr de um lado para o outro, sempre que uma delas despontava, em qualquer ponto do pátio. Com o passar dos dias, presenciei o “aristides” dando saltos para apanhar as saúvas que teimavam em descer do caule do coqueiro, não dava nem tempo delas chegarem ao solo, e já eram engolidas rapidamente. As saúvas ainda não acreditavam que, ali no pátio, tinha nova direção, teimavam em seguir a mesma viagem. As formigas seguem o feromônio deixado pelas guias e seguem religiosamente essa trilha, experimente, borrar com giz ou alguma substância, a trilha delas que as desorientam, as formigas param e vagam aleatoriamente ou seguem na direção inversa, e assim, fiquei horas a assistir aquela peleja, que antes me deixava angustiado sem saída, mas agora, com o jogo mudado, era só satisfação, ficava na torcida horas esquecidas ali presenciando a escalada do “aristides” em busca delas, a cada saúva que falecia, saía um grito de “dá-lhe aristides”. Finalmente o coqueiro iria conseguir desabrochar, a natureza estava atuando, sem agrotóxicos ou outros artifícios, natureza agindo conforme suas leis, as saúvas encontraram um adversário a altura. Diz o ditado popular que a “as formigas sabem a folha que cortam”, porém, não sabem o que as esperam depois. O sauveiro estava declinando, não se via mais aquela enormidade de saúvas a bom transitar no pátio senhoras de si, e sim, umazinha, aqui e acolá. Ao cabo de 4 semanas, o “aristides” tinha se desenvolvido, estava quase adulto, até ensaiava umas batidas de asas e um canto rouco e falho, como alguém com um pigarro na garganta tentando se livrar dele. Isso tudo para impor seu domínio no pátio, antes, era ele, as saúvas e a Brigite, mas agora, só ele e a Brigite que fazia pouco caso das pavulagens dele. Acontece que, como já disse, acabei me afeiçoando ao bichinho, quando sentado no sofá, o chamava e ele vinha, se punha no meu peito e se acomodava, cacarejando, como o ronronar dos gatos, então, alisava a sua ainda pequena crista em formação, desfiava as penas com os dedos, era pura troca de carinho. Confesso que, à princípio, cheguei até a cogitar em fazer dele, uma bela canja, mas, diante de nossa crescente amizade, afastei esse pensamento, tinha outros frangos para isso, e aí, o fui deixando por lá mesmo. Pode parecer pieguice, mas flagrei ele acomodado no baixo ventre da Brigite quando deitada, como se ela o aconchegasse e o protegesse, mas, não sei do que, pois ela é que era o meu maior temor, uma dentada, e o pobre do “aristides”, escorregava goela abaixo sem ao menos encostar suas penas nos dentes dela. Eu admirava seu cuidado para com ele, como se pensasse, “esse carinha é o xerimbabo (em tupi, “coisa muito querida”) do chefe” vou cuidar dele como se fosse meu filho. Assim, transcorreram-se os dias, tudo na santa paz, o coqueiro se desenvolvendo a olhos nus, como também o “aristides” ganhando músculos debaixo das penas, que agora, estavam bem desenvolvidas e o tormento das saúvas havia finalmente acabado, estávamos livre da sanha destruidora delas. O “aristides” teve uma vida plena, sem atropelos e na maior mordomia, transitava livre dentro de casa como um familiar, até dormia no quarto junto com os pequenos.

Numa manhã, chuvosa, tendo que sair para o trabalho e ao retornar, fiz procuração pelo velho amigo, e nada. Chamei-o como de costume, com o meu assobio característico com os dois dedos na boca, e nada, coisa que o havia treinado, ao ouvir, ele vinha voando baixo. Achei que estivesse no quarto com as crianças, por isso não me escutava, porém, ao descer do carro tive a desagradável surpresa, o “aristides” jazia ao lado do carro, esmagado pelas rodas da picape, todo aberto como aqueles frangos de churrasqueira, o coitado havia se abrigado da chuva debaixo do pneu e não se deu conta que eu ligara o carro. Nem ele e nem eu, tivemos culpa, foi uma fatalidade, fiquei pesaroso com aquilo, mas, o fim dele estava previsto, mais cedo ou mais tarde terminaria na panela, só que dessa vez, virou um cozido para a amiga Brigite que nem notou a diferença junto com a ração.

Molar
Enviado por Molar em 12/10/2020
Código do texto: T7085491
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