"Pegadinha"
16/10/2019
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Ele vem descendo em minha direção, cheirando o chão. Baixinho e pequeno, de pernocas curtas, corpo franzino e olhar esperto, cândido. Estou ao celular com minha mulher:
-Acabo de me encontrar com um cachorro perdido, pra variar!
-Vai te adotar Fernandinho!
Cheira meu pé desinteressado e para em frente a um portão de grades de ferro de uma casa. A porta de entrada nos fundos da garagem esta semiaberta. Olha para lá e volta-se para mim, como que pedindo que eu tocasse a campainha.
- O baixinho parece que mora aqui na casa que parou em frete. É um centro de coisas esotéricas, jogo de búzios, leitura de cartas! Coisas do além! - digo rindo ao celular com a minha mulher. Toco a campainha com ele em pé nas patas dianteiras apoiadas no muro, com olhar suplicante. A porta continua entreaberta. Sai então por ela um cachorrinho menor que ele, uma cadela, vem latindo com seu som metálico e irritante, mas para ao vê-lo. Tocam seus focinhos, amigavelmente. Ele começa a choramingar. Aperto novamente o botão, sensibilizado pela cena dos dois. Aparece uma mulher ao pé da porta, que ao vê-lo do lado de fora, grita alto, brava e irritada:
-Sem vergonha! Já na rua de novo! Entra, entra já! Sem vergonha, vive na rua!- dando alguns passos à frente com um pano de pratos na mão abanando para ele, ameaçadoramente.
Lépido e rápido pula e passa entre as barras de ferro do portão, juntando-se à cadelinha, que parecia ser mais velha, talvez até fosse sua mãe. Dei risada e olhei para a mulher "esotérica estressada", falando-lhe:
- Safado, não? Um fujão! Ignorou-me e nada disse, virou-se para a porta com a cara amarrada e fechada, entrando e fechando-a. Os cachorros ficaram me olhando.
Ainda com minha mulher ao celular acompanhando a todo o ocorrido pelo áudio, digo-lhe:
- As "entidades esotéricas" não estão de bem com aquela mulher hoje, né! Acordou com o "ovo virado", como dizia meu pai! -rindo.
- Nem urucubaca ajuda! - responde gargalhando.
"Fujão" ficou ali na sua casa, eu continuei meu caminho. Voltei mais tarde, na hora do almoço, passando novamente em frente à casa esotérica, aliás, só por esse fato fiquei conhecendo-a.O vi deitado na sombra, transpirando com a língua de fora, no quintal da frente da casa, o dia estava quente:
-"Eita "fujão", hoje nem os santos te ajudam né!" Ele me olhou sem saber da sua situação, ou já acostumado com as questões do "além", sentindo sim o forte calor!
- Se te encontrar novamente "fugido", não vou tocar a campainha, não vai mais fazer uma "pegadinha" comigo. Safado! Ele continuou deitado calmo e plácido...
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